Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 28, 2005

Corrupção:O líder por testemunha


Fernando Bezerra, líder do governo no Congresso,recebeu denúncia de uma licitação nos Correios armada por funcionários ligados ao PT e ao PTB


Felipe Patury e Fábio Portela


Jose Paulo Lacerda/AE
BEZERRA
Seu apadrinhado não pôde ser empossado nos Correios. Motivo: isso prejudicaria um esquema milionário

O senador potiguar Fernando Bezerra, do PTB, é o líder do governo Lula no Congresso Nacional. Há três semanas, ele surpreendeu-se ao ler seu nome na reportagem de VEJA que expôs a corrupção nos Correios. Bezerra aparece como padrinho de Ezequiel Ferreira de Souza, indicado para o cargo de diretor de Tecnologia da empresa. Decidido a provar que nada tem a ver com esse propinoduto, o senador deu um depoimento a VEJA (leia quadro). Nele, Bezerra diz que recebeu uma denúncia de que Ezequiel não foi nomeado para os Correios porque isso atrapalharia uma licitação fraudulenta dirigida por Eduardo Medeiros, atual diretor de Tecnologia da estatal e homem ligado ao PT. O depoimento do senador – líder do governo Lula no Congresso Nacional, enfatize-se – é impressionante. Inclusive porque mostra como são feitas as barganhas entre os partidos para a distribuição de cargos públicos.

Bezerra conta que, há cinco meses, tentou obter uma nomeação de Ezequiel com Silvio Pereira, o Silvinho, secretário-geral do PT, aquele que "uma CPI minimamente competente pegaria", para lembrar as palavras atribuídas ao ministro José Dirceu. Silvinho não tem cargo eletivo, formalmente jamais fez parte do governo, mas por uma dessas misteriosas conveniências petistas foi indicado para negociar com deputados e senadores da base aliada. E o fazia com desenvoltura. Na reunião com Bezerra, Silvinho ficou embaraçado ao saber que o senador ainda não havia conseguido uma boa nomeação para seu apadrinhado, algo que pleiteara antes mesmo de Lula tomar posse. Sugeriu, então, ao senador que tentasse colocá-lo na Diretoria de Tecnologia dos Correios, ocupada por Eduardo Medeiros. O próprio Lula prometeu a Bezerra que faria a mudança, mas Ezequiel bateu na trave. A nomeação empacou quando o senador o apresentou ao ministro das Comunicações, Eunício Oliveira, que seria seu chefe. O ministro disse que não tinha autorização da Casa Civil para realizar a troca.

EDUARDO MEDEIROS
Carta anônima e vídeo com Maurício Marinho envolvem mais um diretor dos Correios

Dias depois, o senador recebeu uma carta anônima que explicava por que Ezequiel não foi nem seria diretor. A carta dizia que havia uma licitação em curso na Diretoria de Tecnologia dos Correios, no valor de 56 milhões de dólares, para a aquisição de kits de informática que serviriam para expandir o Banco Postal e interligar as agências. Segundo a carta, o diretor de Tecnologia, Eduardo Medeiros, e seu subordinado Edilberto Petry estavam definindo as especificações dos equipamentos sob orientação da Novadata, empresa que pertence a Mauro Dutra, amigo de Lula. Ao entregar a carta a Bezerra, o portador fez questão de afirmar que ela esclarecia o motivo pelo qual Ezequiel não substituiria Medeiros na diretoria dos Correios. Seria muito difícil tirar Medeiros do cargo, disse o portador, porque um lobista influente no Ministério das Comunicações lhe "dá proteção total" – o que também está na carta. De fato, há uma licitação em curso na Diretoria de Tecnologia dos Correios para comprar os tais kits. Seu valor, porém, é menor do que o informado na correspondência anônima. O orçamento inicial para a aquisição dos equipamentos era de 120 milhões de reais, 15% menor do que o que consta na carta. Depois, caiu para 95 milhões de reais.

O funcionário Edilberto Petry (cujo nome está grafado erradamente na carta) é chefe do Departamento de Coordenação de Integração de Projetos. Ele elaborou o edital de licitação, que ainda não foi publicado. Petry informou que o valor do edital caiu de 120 milhões para 95 milhões de reais porque a empresa concluiu que, mesmo depois de escolhido o vencedor da licitação, o antigo valor poderia ser restabelecido por meio de um aditamento. Ou seja, muito perto dos 56 milhões de dólares denunciados pela carta. Petry disse a VEJA que, no ano passado, os Correios enviaram cartas-consulta a nove empresas para fazer uma tomada informal de preços. Procuradas por VEJA, três delas declararam que deixaram de responder à consulta porque simplesmente não vendem os kits de informática. É estranho que os Correios tenham consultado essas empresas. A mancada teria sido fruto de amadorismo ou elas foram chamadas para a licitação apenas para fazer número? Quatro empresas mandaram seus orçamentos. Quem ofereceu o menor preço? Segundo Petry, a Novadata do amigo de Lula. O autor da carta anônima sabia do que estava falando.


Roberto Stuckert Filho/Ag. O Globo
SILVIO PEREIRA
Ele formalmente jamais fez parte do governo, mas era encarregado de negociar cargos com deputados e senadores

As compras dos equipamentos seriam feitas por outra área dos Correios, o Departamento de Contratação e Administração de Material, chefiado pelo tagarela Maurício Marinho, estrela do vídeo divulgado por VEJA. Marinho não pertence à Diretoria de Tecnologia. Seu chefe é o diretor de Administração, Antonio Osório Batista, do PTB. Mas uma das funções de Marinho era negociar as licitações com Eduardo Medeiros – nesse momento, ao que tudo indica, era que PTB e PT usavam o mesmo CEP. Pelo vídeo, fica claro que Marinho acompanhava cada passo do que acontecia na Diretoria de Tecnologia. Ele faz um relato detalhado do que ocorreu em outra licitação, concluída em setembro do ano passado. O caso é semelhante ao denunciado na carta anônima. Na operação descrita por Marinho, e registrada no vídeo, a Diretoria de Tecnologia decidiu comprar kits de informática para aparelhar a sede dos Correios em Brasília. Marinho afirma que essa concorrência estava dirigida para que a Novadata, sempre ela, ganhasse. "Eles se acertaram com a Tecnologia", diz a seus interlocutores. A Novadata realmente ganhou um dos quatro lotes da concorrência – só não levou todos, segundo o relato, por excesso de ganância. A assessoria de imprensa da empresa de informática afirma que Marinho mentiu na gravação.

Não se pode garantir que a Novadata também venceria na licitação para o Banco Postal e a interligação das agências dos Correios. Afinal de contas, o edital da concorrência ainda não foi publicado. Mas é curioso que na semana passada, em meio à confusão que precedeu a instalação da CPI, Eduardo Medeiros tenha pedido aos departamentos jurídico e de auditoria dos Correios que liberassem o texto do edital para publicação no Diário Oficial. Chegou mesmo a pedir que fossem agilizadas certas etapas formais, para que a licitação saísse com maior rapidez. Por que a pressa, não se sabe. Medeiros se recusou a explicar a VEJA. O processo parou na terça-feira, porque a Controladoria-Geral da União solicitou toda a papelada para uma auditoria. Técnicos dos Correios dizem que investigar uma licitação antes que ela seja concluída é uma atitude, no mínimo, atípica. Os corregedores só se debruçam sobre concorrências quando elas já foram concluídas. Desta vez, encontraram motivos para abrir uma exceção.

 

O depoimento

Em depoimento a VEJA, o senador Fernando Bezerra, do PTB, líder do governo no Congresso, conta como não conseguiu nomear Ezequiel Ferreira de Souza, seu afilhado político, para a Diretoria de Tecnologia dos Correios. A única pista de que o senador dispõe até o momento para justificar o fato é uma nota apócrifa que denuncia uma licitação fraudulenta nos Correios, para a qual seria vital a manutenção do atual diretor de Tecnologia, Eduardo Medeiros, indicado pelo PT, mas formalmente apadrinhado pelo PL. VEJA apurou que Medeiros negociava um edital de licitação com Maurício Marinho, o funcionário flagrado em vídeo recebendo propina. O depoimento de Bezerra também é didático porque mostra como os cargos públicos são loteados no governo petista.

"A nomeação de Ezequiel Ferreira de Souza se arrasta desde o início do governo Lula. Ele é meu conterrâneo, pai de um deputado estadual do PTB e primo do deputado federal Iberê Ferreira. Tinha sido do PSDB e foi diretor da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) no governo Fernando Henrique por indicação do (ex-senador) Geraldo Melo. Depois da vitória do Lula, conversei com o (deputado) Roberto Jefferson e com o José Carlos Martinez. Eles queriam saber qual era a participação no governo que eu pretendia. Eu queria indicar o Ezequiel para a diretoria do Banco do Nordeste. Afinal, o Rio Grande do Norte sempre havia tido uma diretoria no banco. (O secretário-geral do PT) Silvio Pereira me disse que o lugar dele havia sido ocupado pelo (ex-governador da Paraíba) Antonio Roberto Paulino, indicado pelo senador José Maranhão. Como o (ministro Antonio) Palocci queria dar um caráter mais técnico à diretoria, não havia sobrado nenhuma vaga para o Ezequiel. Ele ficaria, então, numa assessoria da presidência do banco, com status e salário de diretor. O Ezequiel não teve nada disso, mas eu não quis criar caso.

No início do ano, estive com o Silvio Pereira. Eu disse a ele que o governo tinha um compromisso comigo que não havia sido cumprido. Silvio respondeu que havia uma diretoria dele nos Correios, a de Tecnologia, e que poderia colocar o Ezequiel lá. Perguntei ao Ezequiel se ele queria morar em Brasília e ele disse que sim. Daí em diante, o Roberto Jefferson ficou de encaminhar o assunto. Há quatro semanas, recebi um telefonema do (ministro do Turismo, Walfrido) Mares Guia dizendo para apresentar o Ezequiel ao (ministro das Comunicações) Eunício (Oliveira). Fomos lá, o Ezequiel, o deputado Iberê e eu. Fiquei surpreso quando a conversa começou. Eunício disse que não poderia nomeá-lo naquele momento e que precisaria de mais uma semana ou uma semana e meia. A justificativa de Eunício é que não ficava bem para ele nomear o Ezequiel sem resolver as questões de nomeação nos Correios do PMDB. Eunício começou então a questionar o espaço que havia sido prometido ao Ezequiel. Eu disse a ele que esse cargo, a Diretoria de Tecnologia, havia sido prometido ao Ezequiel pelo presidente Lula na frente do Roberto Jefferson e do (deputado Luiz Antonio) Fleury. O cargo prometido ao Ezequiel era do PT. O PMDB não tinha nada a ver com isso.

Saí de lá e liguei para o (ministro da Casa Civil) José Dirceu. Ele me disse que a nomeação era uma ordem do presidente e que ela iria sair. Eunício nem sequer me ligou de volta para dizer alguma coisa. Foi então que minha secretária recebeu uma nota apócrifa citando um tal de Edilberto Petry, que seria assessor do (diretor de Tecnologia dos Correios) Eduardo Medeiros, e que falava também num lobista chamado Avelino. A nota dizia que a nomeação não sairia porque havia uma licitação no valor de 56 milhões de dólares. A carta dizia também que a licitação tinha um sobrepreço de 20%. Procurei o José Dirceu e perguntei se havia alguma coisa contra o Ezequiel. Se houvesse, eu retiraria a indicação. Se não, que arrumassem um cargo para ele, porque essa situação me deixou mal. Depois disso, no fim de um jantar na casa do senador Luiz Otavio, o Eunício me disse: 'Procure ver as verdadeiras razões para o veto ao Ezequiel na Casa Civil'. No dia seguinte, liguei de novo para o José Dirceu. Quando ele me retornou, não dava para falar. Depois, o (líder do governo no Senado) Aloizio Mercadante me procurou e me pediu para não assinar a CPI. Disse a ele que já tinha assinado o requerimento e não ia retirar a assinatura, porque quero que seja apurado se há alguma coisa contra o meu indicado. Quero fazer parte da CPI e não quero mais nenhum cargo nos Correios."

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