29.05.2005 | Por falar em peru bêbado, onde será que o deputado José Genoíno andava com a cabeça quando disse que os sacríficios do "povo pobre e humilde deste país" servem "para financiar aposentadorias polpudas"de certas pessoas? Claro que ele se referia ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas, se tivesse juízo, o presidente do PT se contentaria em chamar o adversário de "fariseu, despeitado, irresponsável, invejoso, demagogo, preconceituoso, elitista e arrogante".
Isso, em política, não dá briga. Mas aposentadoria polpuda – ou demagógica, farisaica, irresponsável e elitista – não é assunto em que se mexa no governo Lula. Isso, como a corrupção administrativa, não é exclusidade de ninguém na jovem democacia brasileira. Cada um cuida da sua. O presidente da República, por exemplo, é um aposentado precoce. No governo Itamar Franco, a República resolveu indenizá-lo, com a generosidade de sempre, quando se trata de servir os amigos, pelos 31 dias que passou no DOPS paulista por causa de uma greve no ABC.
Lula foi preso em 1981, quando o regime militar estava caindo aos pedaços. Teve tratamento leve. Anos depois, deu uma longa entrevista ao jornalista Augusto Nunes, contando os privilégios carcerários que conseguiu arrancar na época do delegado Sérgio Fleury. Na última campanha eleitoral, havia em seu site na inernet uma entrevista de dona Marisa dizendo que, ao visitá-lo no xilindró, os filhos pensaram que o pai estivesse num hotel.
Podia ser pura bravata. Mas nada disso foi descontado da aposentasdoria especial que emplacou em março de 1996. Especial quer dizer que ela furou o teto do INSS. Aliás, era quase três vezes maior que o limite para os proventos da patuléia. Veio com efeito retroativo a 1988 e direito a atrasados – R$ 56.478,00 – desde 1990. Por que a diferença? Porque em 1988 Lula estava exercendo, com certo enfado, diga-se de passagem, o mandato de deputado mais votado do Brasil.
Ao aposentar-se, Lula tinha 51anos de idade e 26 anos de serviço. Ganhou tempo graças à insalubridade no trabalho, que valeu até para os anos em que ele se dedicava em tempo integral à direção do sindicato dos metalúrgicos. Sete anos atrás, alguém insinuou na imprensa que o arranjo era a sua conversão à maracutaia. "Imoral foi me cassarem, me prenderem e obrigarem a empresa a me demitir", ele respondeu. A aposentadoria especial, em si, era "legítima e justa", por ser "uma conquista dos anistiados".
E ficou por isso mesmo. O assunto poderia estar encerrado, se de vez em quando o próprio governo não cometesse o desatino de revolvê-lo, com fez o deputado Genoíno. Logo agora que está em trânsito pela internet um texto anônimo – tão anônimo como os titulares das "aposentadorias polpudas"de que falou Genoíno – sobre esse tema tão atual e palpitante. É assinado "CM".
"CM" parece bem informado pelo menos sobre endereços na internet, porque já andou até pelos computadores do Ministério Público no Rio de Janeiro. Diz, em resumo, que o campeão dos pedidos de indenização para vítimas da ditadura militar é o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, que está no quarto mandato de deputado pelo PT. Já se ocupou de indenizações que, somadas, tiraram da União 900 milhões de reais. Cobra 30% sobre o valor das causas bem sucedidas. Pode-se não acreditar numa linha sequer dessa denúncia. Mas basta folhear os jornais de todo dia para sentir que a tal herança maldita do regime militar está virando um grande negócio.
no mínimo
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Um comentário:
A propósito vale reproduzir carta de FHC a Augusto Nunes publicada em sua coluna 7 dias em 28-11-2004 no JB
"Li na coluna Sete Dias publicada pelo JB no último dia 21 referência feita por Carlos Heitor Cony a uma indenização que eu teria recebido em decorrência da lei que fixou reposições para os perseguidos políticos pelo regime autoritário. Em geral não respondo às referências miúdas a meu respeito, feitas por quem não se dá ao trabalho de se informar sobre os fatos. Mas, como se trata de matéria que vem se repetindo, esclareço:
a) não recebi, nem pedi, indenização de qualquer governo por ter sido afastado compulsoriamente da cátedra da Universidade de São Paulo. Recebo apenas proventos proporcionais ao tempo de serviço efetivamente cumprido, na forma do decreto que me aposentou em 1969, somado a ele, pela Lei da Anistia de 1979, o tempo de exclusão. Ou seja, cerca de 2/3 da aposentadoria a que faria jus como professor catedrático, depois das três teses que defendi, como mandavam regulamentos da Universidade de São Paulo.
b) abri mão, quando eleito presidente da República, da aposentadoria a que teria direito como senador. Fui reembolsado apenas da parte que já havia pago para gozar desse direito quando me aposentasse.
c) no Brasil, depois da Constituição de 1988, na ausência de lei específica, os ex-presidentes não têm direito a qualquer pensão, assim como, pelo menos até meu período de governo, não gozavam de qualquer verba de representação.
Grato se puder publicar estes esclarecimentos, despeço-me com um abraço afetuoso,
Fernando Henrique"
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