São esses os dois desfechos possíveis
do esforço brasileiro para ganhar vaga
vitalícia no Conselho de Segurança
...E vamos nós, outra vez. Na semana passada, em sua enésima viagem ao exterior, lá estava o presidente Lula, pela enésima vez, a angariar apoios para a candidatura brasileira a membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Na Coréia do Sul o pedido foi explícito. No Japão não precisou, já que esse país, também ele candidato a uma vaga vitalícia num Conselho de Segurança ampliado, é sócio na empreitada. Ao mesmo tempo, o Itamaraty montava uma blitz de visitas de seus diplomatas a sessenta países, em poucas semanas – do Butão a Papua Nova Guiné, de Tonga a Vanuatu – para cabalar votos. O país comportava-se como candidato à Academia Brasileira de Letras na vertigem das visitas aos eleitores. Disso tudo podem resultar dois desfechos. Um, improvável, é que dê certo – e então o país se verá numa enrascada. Outro é que dê errado – e então se terá assistido ao mais intenso exercício de bicicleta ergométrica já empreendido por nossa diplomacia, do tipo em que se pedala, pedala, sua, sua, e no fim não se saiu do lugar. Examinemos os dois cenários, a começar pelo segundo.
Não é bem a candidatura brasileira que pode dar errado. Ou melhor, ela também pode dar errado, mas antes disso há a forte possibilidade de a própria reforma do Conselho de Segurança dar errado. Há demasiados desencontros a atrapalhá-la. O Brasil, junto com Japão, Alemanha e Índia, formalizou neste mês, num documento, a proposta de ampliar o conselho, dos quinze membros atuais para 25, sendo que os membros permanentes passariam de cinco (Estados Unidos, Rússia, França, Inglaterra e China) para onze, e os rotativos de dez para catorze. O documento não diz, mas é manifesto que os signatários pleiteiam quatro das novas vagas permanentes, e aí começa o problema. A China opõe-se à candidatura do Japão, dois rivais históricos, assim como o Paquistão se opõe à da Índia, dois inimigos montados ambos sobre arsenais nucleares. Nem precisaria continuar a enumeração e dizer que a Itália se opõe à candidatura alemã e que a Argentina (mais) e o México (um pouco menos) se opõem à brasileira. Bastam aqueles dois confrontos, explosivos, para jogar a questão no impasse. Não é plausível, nem seria sábio, que tais questões sejam resolvidas no voto da Assembléia-Geral, com o resultado de China ou Japão, Paquistão ou Índia saírem feridos do embate. Mais admissível é a hipótese de que, para não chegar a tanto, a reforma permaneça bloqueada.
Atrapalha a reforma, além disso, a ilusão em que se assenta. Seus propugnadores, a começar pelo secretário-geral, Kofi Annan, mostram-se cheios de boas intenções. O objetivo seria tornar o Conselho de Segurança mais efetivo e consentâneo com a realidade do mundo atual. Ocorre que a realidade do mundo atual é a avassaladora preponderância dos Estados Unidos nas relações internacionais. Se o conselho não tem sido efetivo, em seu objetivo de preservar a paz e a segurança no planeta, isso não se dá por um defeito intrínseco seu. Quando esses objetivos são do interesse dos EUA acontecem, e quando não são não acontecem. Se os EUA querem invadir o Iraque, ninguém vai impedi-los. Os EUA mantêm-se quietos, por enquanto, quanto à reforma, porque seu dilema com a ONU é outro. Ou ela se põe a reboque de seus interesses, e terá todo o apoio, ou se mantém contra, e continuará merecendo seu mais profundo desprezo. O governo Bush chegou ao escárnio com a indicação, para embaixador na organização, de John Bolton, um falcão para o qual, se o prédio da ONU em Nova York perdesse dez andares, "não faria a menor diferença".
Vá que esses e outros óbices sejam superados, a reforma seja feita e o Brasil se eleja membro permanente do conselho. E daí? Para que mesmo é que queremos tal posto? Fora invocações de "liderança regional", "peso específico" e semelhantes lucubrações, isso nunca foi posto claramente. Assim como o Fome Zero ou a transposição do São Francisco, Lula abraça a causa porque fareja nela um bom rendimento, em termos de marketing. Vai daí que a conduza num clima de Copa do Mundo e de Brasil Grande. O que se pode vislumbrar de concreto, em caso de vitória da pretensão brasileira, porém, não é animador. Para começar, o país teria de passar de devedor crônico de suas contribuições à ONU para sócio com maiores encargos financeiros ainda. Também teria de explicitar sua posição sobre os mais variados conflitos no mundo, do árabe-israelense à guerra civil no Sudão, e manter uma tropa bem treinada e equipada – logo o Brasil, que mal-e-mal sustenta suas Forças Armadas – para as missões de paz. Mas isso não é o principal. Posto lado a lado com o colosso americano, no mesmo foro, ao concordar com ele o país arrisca fazer papel de cão fiel, como aliás já faz no Haiti, e ao discordar arrisca criar fissuras que podem lhe custar caro. Bem pesadas as coisas, o mais desejável é que a lengalenga em torno de um assento no Conselho de Segurança não resulte mesmo senão num exercício de bicicleta ergométrica.veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário