22.05.2005 | Com voz suave e firme de quem sabe combinar polidez e coragem, a jornalista Thaís Oyama formulou a pergunta que sempre perturbou o agora ministro José Dirceu. Sentado na arena do programa Roda Viva transmitido pela TV Cultura no dia 16 deste maio, o chefe da Casa Civil manteve-se imóvel na cadeira, enquanto a cabeça viajava no tempo e no espaço rumo a um certo lugar do passado: Cruzeiro do Oeste, no interior do Paraná. Com outro nome e o rosto remodelado por uma cirurgia plástica, Dirceu ali viveu clandestinamente na década de 70. .
Como tantos milhões de brasileiros, Thaís gostaria de saber por que Dirceu convivera intimamente cinco anos com uma jovem da cidade sem revelar a real identidade. Casou-se – e não disse quem era. Nasceu o filho – e não disse quem era. O que pensava desse episódio?, perguntou a jornalista. Dirceu não achava que alguém fora enganado?
Os segundos consumidos pela pergunta bastaram para que o entrevistado expulsasse a palidez do rosto, blindasse as cordas vocais contra eventuais tremores e partisse para a desconversa. "Eu simplesmente me apaixonei", começou. "Tanto que me casei e tive um filho. Foi isso." Mas por que não contara a verdade?, insistiu Thaís. "Porque não podia", resumiu Dirceu. "Quem está na clandestinidade precisa agir assim. Você sabe o que acontecia naquela época a perseguidos políticos. A gente tem de passar por essas coisas", encerrou, ensaiando uma expressão melancólica.
Para alívio do entrevistado, ouviu-se a voz de um jornalista interessado em outro assunto. E Dirceu se livrou de seguir estacionado na mais sombria escala dos muitos caminhos que percorreu. Sorte dele. Porque nuvens escuras continuam a pairar sobre a história, e acompanharão José Dirceu de Oliveira, no Planalto ou na planície, até o fim dos seus dias.
Depois de alguns anos de exílio, submetido à rotina espartana imposta em Cuba ao guerrilheiro aprendiz, Dirceu garante que carregava coração vulnerável, carente, pronto para bater descompassado de amor. O que haveria de errado em apaixonar-se por aquela loura bonita, de boa família, cobiçada por todos os solteiros de Cruzeiro do Oeste?
Nada, se a história não fosse tisnada por fatos e coincidências que só os muito ingênuos ou muito espertos debitariam com tanta singeleza e rapidez na conta do destino. Quem vive clandestinamente, ensina o bê-a-bá da luta armada, deve cercar-se de cuidados concebidos para afastar as sombras da suspeita. Alguém poderia estranhar se um forasteiro moço e bonito ficasse muito tempo sem namorada. Para exorcizar tal perigo, não existe camuflagem mais eficaz que o casamento com uma moça da terra. Foi o que fez Dirceu, com tamanha paixão que, entre o namoro e a união formal, poucas semanas se passaram.
Por que não revelou quem era depois da noite de núpcias, certamente vulcânica? Ou durante a lua-de-mel, um convite permanente a efusões e confidências? Porque Dirceu não confiava na mulher que jurava amar. Amor é entrega. Dirceu não se entregou. Desconfiava de que o objeto da paixão poderia entregá-lo à polícia.
Não baixou a guarda nem mesmo quando o filho nasceu. Abraçado à mãe, entretido na contemplação do fruto comum, terá pensado alguma vez em abrir a alma? Sua mulher não lhe oferecia riscos. Decerto aceitaria sem rancores o passado de mentiras, até afagaria aquela cabeça atormentada por silêncios e fantasias impostos por perseguidores brutais. Mas Dirceu não disse quem era.
Só contou a verdade quando a decretação da anistia o libertou do medo, da clandestinidade, da modorra de Cruzeiro do Oeste – e da família erguida sobre alicerces de areia. A camuflagem tornara-se dispensável. A paixão, também. Dirceu partiu para Cuba. Recuperados o rosto e o nome, voltou como quem vinha do exílio no Exterior. E então pôde enfim exibir publicamente, sem disfarces nem falsidades, a grande e única paixão de sua vida. A paixão pelo poder.
Como tantos milhões de brasileiros, Thaís gostaria de saber por que Dirceu convivera intimamente cinco anos com uma jovem da cidade sem revelar a real identidade. Casou-se – e não disse quem era. Nasceu o filho – e não disse quem era. O que pensava desse episódio?, perguntou a jornalista. Dirceu não achava que alguém fora enganado?
Os segundos consumidos pela pergunta bastaram para que o entrevistado expulsasse a palidez do rosto, blindasse as cordas vocais contra eventuais tremores e partisse para a desconversa. "Eu simplesmente me apaixonei", começou. "Tanto que me casei e tive um filho. Foi isso." Mas por que não contara a verdade?, insistiu Thaís. "Porque não podia", resumiu Dirceu. "Quem está na clandestinidade precisa agir assim. Você sabe o que acontecia naquela época a perseguidos políticos. A gente tem de passar por essas coisas", encerrou, ensaiando uma expressão melancólica.
Para alívio do entrevistado, ouviu-se a voz de um jornalista interessado em outro assunto. E Dirceu se livrou de seguir estacionado na mais sombria escala dos muitos caminhos que percorreu. Sorte dele. Porque nuvens escuras continuam a pairar sobre a história, e acompanharão José Dirceu de Oliveira, no Planalto ou na planície, até o fim dos seus dias.
Depois de alguns anos de exílio, submetido à rotina espartana imposta em Cuba ao guerrilheiro aprendiz, Dirceu garante que carregava coração vulnerável, carente, pronto para bater descompassado de amor. O que haveria de errado em apaixonar-se por aquela loura bonita, de boa família, cobiçada por todos os solteiros de Cruzeiro do Oeste?
Nada, se a história não fosse tisnada por fatos e coincidências que só os muito ingênuos ou muito espertos debitariam com tanta singeleza e rapidez na conta do destino. Quem vive clandestinamente, ensina o bê-a-bá da luta armada, deve cercar-se de cuidados concebidos para afastar as sombras da suspeita. Alguém poderia estranhar se um forasteiro moço e bonito ficasse muito tempo sem namorada. Para exorcizar tal perigo, não existe camuflagem mais eficaz que o casamento com uma moça da terra. Foi o que fez Dirceu, com tamanha paixão que, entre o namoro e a união formal, poucas semanas se passaram.
Por que não revelou quem era depois da noite de núpcias, certamente vulcânica? Ou durante a lua-de-mel, um convite permanente a efusões e confidências? Porque Dirceu não confiava na mulher que jurava amar. Amor é entrega. Dirceu não se entregou. Desconfiava de que o objeto da paixão poderia entregá-lo à polícia.
Não baixou a guarda nem mesmo quando o filho nasceu. Abraçado à mãe, entretido na contemplação do fruto comum, terá pensado alguma vez em abrir a alma? Sua mulher não lhe oferecia riscos. Decerto aceitaria sem rancores o passado de mentiras, até afagaria aquela cabeça atormentada por silêncios e fantasias impostos por perseguidores brutais. Mas Dirceu não disse quem era.
Só contou a verdade quando a decretação da anistia o libertou do medo, da clandestinidade, da modorra de Cruzeiro do Oeste – e da família erguida sobre alicerces de areia. A camuflagem tornara-se dispensável. A paixão, também. Dirceu partiu para Cuba. Recuperados o rosto e o nome, voltou como quem vinha do exílio no Exterior. E então pôde enfim exibir publicamente, sem disfarces nem falsidades, a grande e única paixão de sua vida. A paixão pelo poder.
no mínimo
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