Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, maio 25, 2005

Conspirações

São descabidas, inoportunas e historicamente equivocadas as declarações de governistas sobre a suposta inspiração golpista por trás da instalação da CPI dos Correios. Tese apoiada por nomes como o chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o senador Aloizio Mercadante, a síndrome persecutória do Palácio do Planalto ganhou do ministro Aldo Rebelo sua expressão mais eloqüente. Há um ''clima de 54'' contra o governo, afirmou, referindo-se ao movimento que levou ao suicídio o presidente Getúlio Vargas, em agosto de 1954. Apegando-se ao histórico de bravejos do seu partido, o PCdoB, Rebelo condenou o que seria uma tentativa da ''direita'' de desestabilizar um governo ''democraticamente eleito''. Disse ainda que a oposição ''está buscando um Gregório Fortunato'', o chefe da guarda pessoal de Vargas, acusado pelo atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, inimigo do então presidente.

Errado. Primeiro porque não há ameaça à democracia na tentativa oposicionista de levar adiante uma comissão parlamentar de inquérito para investigar supostas traquinagens cometidas na intermediação de contratos numa estatal. Trata-se de um mecanismo legítimo de controle parlamentar sobre o Poder Executivo, ao qual recorreram com especial fervor os mesmos nomes que hoje integram os mais vistosos gabinetes do Planalto. O equívoco governista se estende porque o único fantasma golpista a rondar a atmosfera política de Brasília é o estado de putrefação ética que tem contribuído para corroer a capacidade da administração pública em todos os níveis de atender às demandas da sociedade. Esta é a ameaça a combater: a crise de legitimidade dos representantes, um problema que, importa ressaltar, não começou no atual governo. Vem de longe.

Não se ouviu dos tucanos, ou de quaisquer vozes das ''elites'', nenhuma proposta que acuasse o governo e o presidente Lula. Não se ouviu também uma palavra sequer sobre delitos tão medonhos que não há solução além do impeachment. Disto, tratou melhor o PT nos tempos em que era oposição. Os parlamentares, petistas à frente, que hoje batalham contra a investigação parlamentar são os mesmos que defenderam, no governo anterior, as CPIs para as denúncias de então. ''Fora FHC'', berravam petistas sob o olhar paternal do comandante. Por outro lado, os parlamentares que hoje se empenham pela comissão são os mesmos que, no governo anterior, batalharam contra as investigações de então.

Hoje, quase todos os cidadãos de bem desejam que o presidente e seus parceiros evitem relativismos éticos e morais a ponto de dedicar enfática fuzilaria verbal e política para abortar CPIs. Tampouco se precipitem ao defenderem entusiasticamente ''companheiros'' sob suspeita, em nome de alianças indispensáveis à chamada ''governabilidade''. O momento exige serenidade. Os excessos verborrágicos - cometidos também pela oposição, insista-se - sugerem pôr a cabeça em ordem, baixar o tom das declarações e empenhar-se na condução de uma política de maior nível. A tarefa pressupõe apoio a todas as investigações possíveis, das quais o Planalto demonstra especial ojeriza. (Ressalte-se o notável trabalho da Polícia Federal, que vem agindo com rapidez e eficiência na apreensão de documentos de três dos acusados no episódio dos Correios.)

Se bem conduzida, a CPI dos Correios pode ser aproveitada como uma oportunidade sem par para restabelecer a credibilidade desses inquéritos e, conseqüentemente, dos parlamentares. Basta que não sejam toleradas encenações. Isso, sim, é conspiração. Contra os eleitores.
JB EDITORIAL

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