Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 24, 2005

AUGUSTO NUNES`:Ele ainda não sabe mentir com o rosto

Numa das raras pausas da seqüência de reuniões que agitaram a sexta-feira, consumida na tarefa de encerrar com boas novas uma semana especialmente aflitiva para o Planalto, Lula foi interceptado por repórteres. (No Brasil, o presidente da República e ministros condecorados com a Estrela do Altíssimo Companheiro não concedem entrevistas: são, literalmente, interceptados por jornalistas. Mas esta é outra história. Vida que segue.)

"O senhor está preocupado com a CPI dos Correios?", quis saber o repórter. Boa pergunta. Horas antes, deputados e senadores oposicionistas haviam protocolado o pedido de formação de uma CPI para apurar roubalheiras documentadas em vídeo. O sucesso da ofensiva adversária não incomodava o presidente? O repentista mais ligeiro do Oeste brasileiro revidou com o improviso desafiador.

"Olhe para mim", convidou. "E veja se estou com cara preocupada". Estava, constatou no dia seguinte o Brasil, confrontado com as primeiras páginas dos jornais. Ao lado do convite-desafio, fotos feitas na véspera escancaravam a crispação na fisionomia presidencial. Era uma cara preocupada, na fronteira da carranca. Dois ou três sorrisos pinçados nas derradeiras reservas de humor estavam mais para esgares de Jânio que para gargalhadas de JK.

O confisco do sorriso, a testa vincada e os cabelos em desalinho não bastavam para compor a expressão de um presidente insone desde o discurso da vitória, quando prometeu só dormir depois de garantir três refeições diárias para cada brasileiro. Mas sugeriam que fantasmas com mortalhas da grife PTB vinham assombrando as madrugadas do Palácio da Alvorada. A cara preocupada denunciava um homem que não tem dormido direito. Lula ainda não sabe mentir com o rosto. Ainda.

Os encantos e sabores do poder ajudaram a convencê-lo de que certos usos e costumes, considerados abjetos pelo Lula de outros tempos, são coisas do mundo, indispensáveis à "governabilidade". Consumar alianças com parceiros desprezíveis, por exemplo. E chamar bandidos de "companheiro". E entregar-lhes gabinetes federais sob medida para virar gazua. E proteger larápios pilhados em ação. E impedir que CPIs invadam porões suspeitos.

Outros governos agiram da mesma forma, declamam mandarins do PT. O presidente Fernando Henrique, repetem, vivia engavetando CPIs sob a alegação de que a Polícia Federal e a Justiça poderiam desvendar qualquer caso. Por que tanto barulho agora? Só por que o PT está no governo? É por isso mesmo. Precisamente por isso.

Admita-se que o pântano da corrupção tenha surgido já no Dia do Descobrimento. Admita-se que os todos os governos tenham contemplado a expansão do lamaçal com olhares indulgentes ou cobiçosamente cúmplices. E daí? Lula foi eleito graças ao apoio de milhões de brasileiros sem agudas afinidades ideológicas com o PT, mas convencidos de que chegara a vez de restaurar-se a decência. Que se começasse a drenagem do pântano, não importa quem lá estivesse? Protegidos de Sarney, FH ou de quaisquer antecessores, todos deveriam ser punidos.

O deputado que deixou a Câmara em 1988, enojado pelo convívio com os 300 picaretas, haveria de ressuscitar valores éticos e morais que, embora eternos, sofrem a fuzilaria permanente dos velhacos. O deputado Lula nem trocava cumprimentos com o colega Roberto Jefferson. Pois o presidente absolveu liminarmente o companheiro Jefferson, chefe dos corruptos do PTB. E faz o que pode para abortar a CPI. Qualquer coisa.

Lula jura dormir o sono dos justos. O rosto lembra uma alma atormentada por terrores noturnos. Se não despertar a tempo, conhecerá a hora do pesadelo.

JB

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