"É isso que a Polícia Federal está tentando fazer", explicou Thomaz Bastos, ao relatar a conversa de momentos antes com Lula. Talvez tenha sido um ato involuntário, mas o ministro da Justiça descortinou, com sua resposta ao presidente, toda a gratuidade da orientação recebida.
Há 10 dias, assim que a Veja mostrou um diretor de departamento da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos sendo subornado, o Governo determinou abertura de inquérito na Polícia Federal, instaurou sindicância interna na ECT e passou os dias seguintes trabalhando para impedir a criação de uma comissão parlamentar de inquérito sob o argumento de que a PF daria conta do recado com maestria.
Era de se imaginar, aliás, que a Polícia Federal estivesse tentando fazer exatamente isso, mas, no domingo, o País ficou sabendo que não era nada disso.
Pois o presidente da República interrompeu as férias do ministro da Justiça para dar-lhe de novo a ordem, apenas aprofundando a ênfase: ordenou uma investigação "sem olhar para partidos, para ministérios, sem olhar para quem quer que seja".
Significa dizer que as providências ordenadas na semana anterior não eram rigorosas, pretendiam perseguir, proteger, "olhar" por partidos, zelar por ministérios ou por quem quer que seja? Equivale a revelar que a Polícia Federal não tem dinâmica própria, não funciona independente das ordens expressas do presidente? Ou será que o presidente Lula quis traduzir uma preocupação que, de acordo com ele mesmo, não assaltava sua alma três dias antes, quando declarou-se em estado de plena despreocupação com o fato de haver ou não CPI?
Ao que tudo indica, nenhuma das alternativas. A determinação presidencial mais parece produto da série de impulsos de oratória que denotam o extremo apreço pela palavra vã que constroem armadilhas nas quais o Governo vem caindo repetidas vezes.
A exorbitância verbal de mau resultado não é instrumento de uso exclusivo do presidente da República, embora não se possa subtrair-lhe a condição de campeão absoluto na prática.
Dispensando preceitos básicos da prudência, nomeou-se "parceiro" do presidente do PTB, Roberto Jefferson, ofereceu a ele o ombro amigo das horas difíceis e assumiu o posto de advogado de defesa enquanto o próprio deputado considerava indispensável a investigação política do episódio e assinava o requerimento da CPI.
Resultado: antes que a oposição o fizesse, Lula transportou a crise para dentro do Palácio do Planalto e a instalou confortável em seu gabinete.
Do mesmo modo, antes que a oposição desse abrigo à tese do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de que a crise institucional se aproxima, o alto comando do PT, ministro José Dirceu à frente, tratou de fazê-lo.
Passou a alimentar o tema, a falar em "golpismo" (num diapasão estranho, como que a justificar de antemão ações de contragolpe) a ressuscitar terminologias e lógicas de atuação política do passado. Enterradas definitivamente junto com a tentativa de deflagração do movimento "Fora FHC" logo após a eleição presidencial de 1998.
Essa displicência com a palavra dita tem custado muito ao presidente e ao seu partido. A antecipação do debate eleitoral é talvez o exemplo mais eloqüente.
A oposição, desarticulada com a vitória do PT – tanto, que parte dela aprovou propostas do novo presidente no Congresso, parte ficou contra, e o discurso soou desorganizado – talvez ainda estivesse patinando em seus projetos eleitorais não tivesse o PT tomado a iniciativa de lançar o tema ao centro do debate nacional.
E não adianta tentar pôr a pasta de volta no tubo acusando a oposição de se mover pelo desejo de voltar ao poder porque Lula foi o primeiro a falar em reeleição. Na época, para defender a recondução de Marta Suplicy à Prefeitura de São Paulo.
Se não tivesse dado ao adversário um sinal tão evidente de voracidade, talvez ao PSDB não ocorresse fazer de José Serra o candidato e o PT poderia hoje ainda estar de posse de sua mais importante conquista depois da presidência.
Esse é o risco de pretender enfrentar os problemas a golpes de pura verborragia: as palavras aceitam tudo, mas são madrastas ante a imprudência.
Telhado de vidro
O ex-presidente Fernando Henrique, não resta dúvida, descambou pelo perigoso terreno da baixa-metáfora ao definir o Governo Lula com a frase "eles ficam rodando como peru bêbado em dia de Carnaval".
Horrível e incompatível com o personagem, conforme bem notou o presidente do PT, José Genoino. Segundo ele, expressões do tipo não cabem a um ex-presidente da República.
o dia
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