Qual será o futuro do Brasil até 2007, tempo que abrange o final do primeiro mandato do presidente Lula, o período eleitoral ampliado que já começou e o primeiro ano do próximo governo, cujo presidente será definido em grande parte pelo que acontecerá no próximo ano e meio? Cláudio Porto, economista, diretor da empresa de consultoria Macroplan, especializada em estudos prospectivos, lançou recentemente um livro em que define nosso futuro imediato em quatro cenários possíveis. Com nomes tão sugestivos quanto o otimista cenário 1, "A vitória da persistência", que ainda é o mais provável, até o alarmante cenário 4, "Naufrágio à vista", que por enquanto está descartado.
Na verdade, o que parece mais provável neste momento, esclarece Porto, é uma variante menos otimista do cenário 1, "com manutenção da política econômica, avanços localizados na gestão pública e na agenda microeconômica, e indicadores econômicos e sociais mais modestos". Uma espécie de "entrincheiramento" das forças hoje hegemônicas no PT, define ele.
A lógica do cenário da vitória da persistência "é a combinação de um contexto internacional favorável com a melhoria das condições internas de governança e governabilidade, o que sustentaria a essência da política macroeconômica e o avanço da agenda microeconômica", diz o estudo.
Dessa combinação resultariam "impactos positivos nos indicadores econômicos e a expansão dos investimentos produtivos, levando a uma trajetória de crescimento da economia e do emprego, o que consolidaria uma ampla coalizão governamental e a popularidade do presidente, e melhoria nos indicadores sociais".
Esse cenário otimista, no entanto, ficou contaminado pelo ambiente político dos últimos dias. Uma variante menos otimista dele combina "a manutenção da política econômica com avanços modestos na gestão pública e na agenda microeconômica", resultando em "indicadores econômicos e sociais mais modestos". Nesse caso, alerta Cláudio Porto, "teremos uma eleição bastante equilibrada".
O economista Fábio Giambiaggi, do BNDES, que fez uma análise das alternativas num seminário de lançamento do livro, já acreditou mais no cenário 1, até 2004, "quando achava que o governo teria uma agenda de reformas para 2005 e confiava na repetição do show de bola que deu na área política em 2003". Com a ausência de qualquer agenda e a enorme confusão política dos últimos tempos, "meu otimismo se esvaiu", lamenta Giambiaggi.
Para ele, o cenário de sedução do populismo, "torna-se mais provável, especialmente em 2006, na medida em que o quadro político e as condições de governabilidade vierem a se deteriorar com maior intensidade, e candidaturas oposicionistas se multiplicarem. Seria uma tentativa de desespero", analisa Giambiaggi.
Esse cenário de "sedução do populismo" está ficando mais próximo: prevê a fragilização da base de sustentação parlamentar do governo; persistências das dificuldades gerenciais do governo, especialmente no campo das políticas sociais; o recrudescimento de pressões por mudanças na política macroeconômica, aliada à rejeição de novos aumentos da carga tributária e do gasto público.
Embora nem nos debates nem no livro esteja explicitado, esse cenário de vitória do populismo traz nas entrelinhas um temor de que uma eventual candidatura de Garotinho pelo PMDB possa criar no país um clima que favoreça teses perigosas como o reescalonamento da dívida pública. A possibilidade de um segundo turno entre Lula e Garotinho, por exemplo, poderia levar ao recrudescimento, dentro do PT e da base aliada que chegar à eleição apoiando Lula, da pressão para mudar a política econômica.
Mesmo pessimista, Giambiaggi acha que "evoluímos em relação ao Brasil velho", por isso descarta os extremos e fica entre os cenários 2 e 3 do trabalho. O cenário 3, significativamente chamado de "Navegando na turbulência", prevê uma inflexão no ambiente internacional, com o aumento da aversão ao risco por parte dos investidores externos, redução de liquidez e arrefecimento do crescimento econômico.
O economista Fábio Giambiaggi diz que a frase de James Carville, o marqueteiro do ex-presidente americano Bill Clinton, "é a economia, estúpido", lembrando que o fator determinante em uma eleição é a economia, pode ser adaptado no Brasil de hoje por "é a política, estúpido". Ele ressalta que precisamos de novas reformas e isso requer: a) diagnóstico; b) convicção; c) unidade; e d) articulação.
Para ele, "FHC até 2000 tinha tudo isso, enquanto que o governo atual não tem um diagnóstico claro, a convicção é escassa (vide programa supostamente de apoio ao Palocci do PT, cheio se 'poréns'), a unidade nem vou falar e a articulação, bom... O resultado é que em matéria de reformas estamos em ponto morto".
O cenário 4 é o "Naufrágio à vista", e prevê total desorganização do quadro político e crise sistêmica e de governabilidade, com inflação e desemprego em alta. Embora considere improvável esse cenário, Porto alerta que também era improvável a crise cambial com a intensidade que atravessamos em 1999 e a crise energética em 2001. Para ele, "a existência de grandes incertezas, tanto interna quanto externamente, não nos permite ignorar o que de pior pode acontecer".
Cenários possíveis (2)
Os estudos prospectivos da Macroplan abrangem, além dos cenários internos já analisados na coluna de ontem, também os cenários de longo prazo, que estarão concluídos até dezembro deste ano. Em julho, sairão resultados parciais com antevisões territoriais do Brasil em 2025, indicando estados ou regiões em duas situações extremas: as de maior potencial de dinamismo e as mais deprimidas e problemáticas. Segundo o estudo, a trajetória do Brasil nos próximos 20 anos dependerá da combinação de duas incertezas críticas: como se dará a inserção do Brasil na economia e na sociedade mundiais, e com que extensão e intensidade se dará a inclusão social no país nesse período.
No cenário mais otimista, chamado de "Desenvolvimento integrado", o Brasil alcança níveis altos de desenvolvimento, com uma economia moderna e integrada de forma competitiva no cenário internacional, e forte inclusão social. Nesse caso, o país terá um Estado regulador forte, e com presença ativa nas áreas social, regional e ambiental. Chegará assim em 2025 com altos indicadores sociais e níveis decrescentes de desigualdades. O Chile atual seria um bom "paradigma qualitativo".
De fato, o Chile vem se destacando nos principais rankings internacionais como a mais competitiva economia latino-americana. No estudo do World Economic Forum (WEF), divulgado este ano, aparece em 19 lugar, enquanto o Brasil está em 51 . O Chile é classificado como em vias de entrar para o Primeiro Mundo.
No cenário seguinte, o de "Modernização excludente", o Brasil consolida-se como uma economia moderna, fortemente integrada ao sistema econômico mundial, mas é uma sociedade na qual coexistem altos níveis de pobreza e de riqueza. O país possui um Estado enxuto e concentrado nas funções de regulação, educação, saúde e segurança. O Brasil dos anos 90 seria o paradigma. O cenário C é o do "Crescimento endógeno": uma economia de médio porte, cujo crescimento encontra-se ancorado, sobretudo, no dinamismo do mercado interno e na forte integração regional.
Nesse cenário, o país teria optado por um projeto de desenvolvimento nacional endógeno, com ênfase na melhoria de qualidade de vida e na redução das desigualdades sociais. Priorizando o seu desenvolvimento interno, o Brasil chegaria a 2025 como uma sociedade altamente integrada, com moderadas desigualdades sociais e baixos índices de pobreza. O exemplo seria a Hungria de hoje.
O último cenário é denominado de "Decadência com exclusão", e o paradigma é a Venezuela de Hugo Chávez. O Brasil atravessaria um longo período de baixo dinamismo econômico e de desorganização de suas instituições. O país seria dominado por crises, instabilidade política e fortes incertezas, que acentuariam a vulnerabilidade a restrições externas e dificultariam a modernização produtiva e a inclusão social. Desse modo, o país chegaria a 2025 com uma sociedade dual, que exibiria fortes desigualdades sociais e regionais, e revelaria crescente distanciamento das nações competitivas.
O cenário mais otimista desenhado pela Macroplan coincide com um relatório da consultoria americana Goldman Sachs sobre os quatro países emergentes que ela considera mais prováveis de estarem no topo da economia mundial nos próximos 50 anos: Brasil, Rússia, Índia e China.
Segundo o estudo, em menos de 40 anos os BRICs juntos poderão ser maiores que os países que formam hoje o G-6 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Inglaterra e Itália). Pelo estudo, o Brasil será a quinta economia do mundo, medida pelo Produto Interno Bruto (PIB). Pela ordem, serão estas as dez maiores economias do mundo: China, Estados Unidos, Índia, Japão, Brasil, Rússia, Inglaterra, Alemanha, França e Itália.
As maiores economias, medidas pelo Produto Interno Bruto ( PIB), podem, no entanto, não ser as mais ricas em termos de renda per capita. Em 2030 — próximo, portanto, ao cenário da consultoria brasileira — o Brasil teria uma renda per capita de 9.800 dólares, assim como a China. Somadas, as economias dos BRICs representam hoje menos de 15% da economia do G-6. Em 25 anos, podem representar já a metade.
O estudo fez uma projeção levando em conta fatores de produtividade, e chegou à conclusão de que Brasil e Índia, devido a problemas como baixo índice educacional e falta de infra-estrutura, crescerão em velocidade menor do que Rússia e China nos próximos 20 anos.
Para chegar a ser a quinta economia do mundo em 2050, o Brasil terá que crescer em média 3,6% nos próximos anos. Se isso ocorrer, vai ultrapassar a Itália já em 2025, a França em 2031 e Inglaterra e Alemanha em 2036. O problema é que nos últimos 50 anos o crescimento médio do Brasil foi de 5,3%, mas caiu nos últimos 20 anos devido à crise da dívida externa. O crescimento médio da última década foi de 2,9%, e nos últimos 20 anos caiu para pouco mais de 2%.
Segundo as projeções da Goldman Sachs, o Brasil deveria crescer de 2005 a 2010 6,3% em média, o que parece estar descartado desde já, pois o crescimento deste ano deverá ser abaixo de 4% e para 2006 a previsão é de que seja menor ainda.
Essa mudança na economia mundial acontecerá mais acentuadamente nos próximos 30 anos. Em 2025, o gasto em dólares dos BRICs poderá ser o dobro do G-6, e quatro vezes maior em 2050. Para que tenhamos essa trajetória, de "desenvolvimento integrado" nos próximos 20 anos, será preciso também que, no curto prazo, prevaleça do cenário de "Vitória da persistência" analisado na coluna de ontem, com contexto externo favorável e, internamente, a manutenção dos pilares da política econômica.
O Globo
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