Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, maio 26, 2005
Vade retro! PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Hoje, não quero entrar em bola dividida. A conjuntura política está pegando fogo; o governo federal atravessa uma espécie de inferno astral. Não é à toa que satanás anda freqüentando as conversas do presidente da República. A Folha relatou o desabafo do presidente, que, durante jantar com alguns governadores e ministros, na semana passada, teria dito que não pretende vender a sua alma ao diabo para se reeleger em 2006.
Força de expressão? Provavelmente. De qualquer maneira, é realmente estarrecedor o que vem acontecendo. O fluxo de informações político-econômicas está sendo fortemente contaminado e deturpado pelas escaramuças pré-eleitorais. Cheguei a pensar em dar ao artigo de hoje o seguinte título: "2006 é agora".
Mas vou deixar esse tema para outra ocasião (não faltarão oportunidades). Peço a atenção do leitor para um assunto menos candente, mas que também esteve presente nas manchetes nos últimos dias: a proposta de ampliação do CMN (Conselho Monetário Nacional).
Na quinta-feira passada, o CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) aprovou, por larga maioria, uma moção em defesa do aumento do número de integrantes do CMN de três para até nove, com inclusão de representantes dos empresários e dos trabalhadores, assegurada a maioria para o governo. O presidente da República parece ser simpático à idéia. A resistência vem do Ministério da Fazenda, do Banco Central e dos bancos privados. Um dos banqueiros que fazem parte do CDES criticou duramente a proposta, sob o argumento de que ela poria em risco o controle da inflação.
Mais correto seria dizer que a mudança do CMN talvez ponha em risco a política de juros altos, e não o controle da inflação (favor não confundir uma coisa com a outra). E aí, justamente, está um dos seus atrativos.
Defendo há muito tempo essa proposta nesta coluna. Não vou repetir os argumentos anteriormente utilizados. Gostaria de tratar o tema sob outro ângulo.
Em 2003, conversei com o ministro Palocci a respeito da ampliação do CMN. Objeção do ministro: os empresários escolhidos para o Conselho passariam a ter informação privilegiada, além de acesso mais fácil às autoridades econômicas. Ele tem razão. Mas a objeção é perfeitamente contornável.
Uma das maneiras de contorná-la, preservando a essência da proposta: os integrantes do CMN indicados por trabalhadores e empresários teriam que ter perfil eminentemente técnico. As entidades empresariais e as centrais sindicais apresentariam as suas listas tríplices de pessoas de notório conhecimento econômico-financeiro. O presidente da República, assessorado pelo ministro da Fazenda, faria então as escolhas finais.
Poderia haver, ainda assim, conflitos de interesse. Ao ser nomeado para o CMN, um determinado técnico não se tornaria funcionário público e continuaria desempenhando as suas atividades privadas. Mas certas atividades são incompatíveis com o exercício do cargo. Por exemplo: consultoria a instituições financeiras e outras empresas diretamente interessadas nas decisões do CMN. Os representantes dos empresários e trabalhadores ficariam submetidos a certas normas de conduta, que teriam de estar definidas com precisão, assim como as punições em caso de violação.
A ampliação do CMN é enganosamente simples. É mais ou menos fácil escrever artigos de jornal a respeito ou votar moções de apoio no CDES. Mas, para que a proposta realmente funcione, seria essencial associá-la a uma revisão geral do CMN, inclusive das suas atribuições. Seria conveniente, por exemplo, manter no CMN apenas as decisões de cunho estratégico ou macroeconômico (a definição do regime monetário e cambial, do grau de conversibilidade da moeda nacional, das metas de inflação e da TJLP, entre outras) e transferir para o Banco Central ou para o Ministério da Fazenda decisões mais operacionais ou setoriais.
Tudo isso teria que ser objeto de um projeto de lei detalhado e bem pensado.
Caso contrário, a ampliação do CMN poderia se tornar inócua ou até prejudicial. Como diz o velho provérbio, o diabo (ele, sempre ele!) está nos detalhes.
folha de s paulo
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