Só a democracia tem os remédios para os males que nos afligem. Nunca é demais lembrar, principalmente numa semana em que o pais viu cenas tão explícitas de corrupção. Sempre há quem pense, em momentos assim, que uma onda autoritário-moralizadora é do que o Brasil precisa. O Brasil precisa é de que os poderes da República se esforcem mais na execução de suas tarefas constitucionais.
Cena um: um pacote de dinheiro é entregue ao chefe do departamento de compras dos Correios, Maurício Marinho, que displicentemente o põe no bolso e afirma:
— Nós somos três e trabalhamos fechados. Os três são designados pelo PTB, pelo Roberto Jefferson. O PTB me dá cobertura. Ele me dá cobertura. Fala comigo. Não manda recado. Eu não faço nada sem consultá-lo. Tem vez que ele vem do Rio para acertar um negócio. Ele é doidão.
Cena dois: um grupo de deputados estaduais de Rondônia conversa com o governador Ivo Cassol. A deputada Ellen Ruth é particularmente didática:
— Você é empresário, você sabe. O empresário dá suporte a político, mas depois ele quer trabalhar. É uma via de mão dupla. O empresário que apóia o Ronilton Capixaba, quando ele está na Assembléia, ele quer obra. (...) Dentro do orçamento do estado, você está levando o seu como executor. Isso é de praxe.
Sobre a primeira cena, já se organiza uma CPI. Essa pode ser uma oportunidade para que o Congresso preste contas à sociedade. Será uma pena se for mais um palco de cenas histriônicas de quem quer aparecer na televisão.
A segunda frase pode ser entendida como prova de que a corrupção é ato banal. "É praxe." Se for esse o entendimento do cidadão, que os políticos se apressem. Por que o cidadão votará? Por que gastará R$ 2,47 bilhões por ano só com a Câmara? Por que ele defenderá as instituições democráticas? O risco que se corre, senhores deputados e senadores, vai muito além dos seus mandatos.
A confiança do cidadão nas instituições teve um alento no Rio de Janeiro. O que a juíza Denise Appolinária puniu de forma exemplar, exigia punição. No Rio, as leis eleitorais foram pisoteadas. Este jornal publicou, dia após dia, as cenas do absurdo: kits escolares distribuídos em outubro, dinheiro vivo na sede do PMDB, cadastramento para os projetos sociais do estado submetidos à exigência de título eleitoral. Parecia a República Velha.
O país vive uma crise política. O governo tem errado insistentemente na sua relação com o Congresso. O presidente ignora o Congresso quando deveria negociar as votações estratégicas para seu plano de governo, e afaga um deputado quando deveria estar defendendo apuração rigorosa. "Parceiro é solidário com seu parceiro", teria dito Lula sobre o deputado Roberto Jefferson. Um presidente da República não protege parceiros. A frase é ruim e não deveria ter sido dita — mais uma das lamentáveis frases do presidente!
Sempre há os que acham que, diante da corrupção, o melhor a fazer é acabar com os políticos e entregar o país a um salvador da pátria que governe com os técnicos.
É o risco que corremos. Ele não é imediato. Ninguém conspira nas esquinas, mas pode surgir do fastio do cidadão diante de tantos flagrantes de mau comportamento.
Cada político individualmente é substituível, pode ser afastado sem que as instituições corram riscos. Todos os políticos juntos são a forma como se organiza a democracia representativa, sistema no qual escolhemos viver. E não escolhemos por capricho. Foi uma decisão amadurecida ao longo dos anos da nossa História em que não a tivemos e pudemos saber, da forma mais dolorosa, a falta que a democracia faz.
Não se brinca com o sentimento dos cidadãos. A excessiva esperteza come o dono, ensinou mestre Tancredo. A complacência e o conformismo com os maus modos de alguns pode ser o caminho para que todos sejam equiparados.
Vários males nos afligiram nos últimos dias. Eles são parecidos com outros episódios, mas é da repetição que nasce a sensação de que o sistema político não vale o esforço feito pelo contribuinte. O acúmulo dos escândalos — e da desfaçatez — vai erodindo a confiança na democracia como a única força moralizadora aceitável.
Muitos continuarão dizendo que o que acontece no Brasil neste momento não é o aumento da corrupção, mas, sim, da eficiência da apuração. Mas até quando o brasileiro comum, que não consome diariamente informação, pode entender todas as nuances do que está acontecendo? O que qualquer brasileiro quer, independentemente do grau de instrução, é o conforto de saber que os casos serão apurados, punidos e que o dinheiro dos impostos está em boas mãos.
A democracia é frágil por sua própria natureza. Cada fato separado pode não ser letal; todos juntos são demolidores da confiança nas instituições. A defesa descarada do nepotismo, as frases quase diárias do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti — como a desta semana: "Quero a diretoria que fura poço" — tudo está se acumulando numa agressão diária às consciências.
Nada do que tem acontecido é aceitável. Tudo é muito perigoso. Que as pessoas públicas, que vão às ruas pelo voto dos eleitores e representam o cidadão, saibam da gravidade do momento. Não se enganem com o silêncio das ruas. Os momentos de turbulência, às vezes, não dão aviso prévio. A hora é de fazer as instituições funcionarem de forma exemplar, para que se possa confirmar o princípio civilizatório: de que só a democracia tem o remédio para os males que nos afligem.
o globo
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Arquivo do blog
-
▼
2005
(4606)
-
▼
maio
(371)
- LUÍS NASSIF :A financeirização faliu
- JANIO DE FREITAS:Temor inútil
- CLÓVIS ROSSI :Revelou-se?
- A VITÓRIA DO "NÃO"
- A CORRUPÇÃO DE SEMPRE
- Dora Kramer:Compromisso com o eleitor
- Arnaldo Jabor:A maldição do monstro do ‘mesmo’
- Luis Garcia: Coceira danada
- Merval Pereira:O vice se prepara
- AUGUSTO NUNES:O país inclemente com seus órfãos
- Aposentadoria FHC
- Marcos Sá CorrêaE por falar em aposentadoria...
- Tudo o que você gostaria de saber sobre a CPI dos ...
- Com todos os méritos
- FERNANDO RODRIGUES:A gênese da crise
- VINICIUS TORRES FREIRE:Choque ético, urubus e econ...
- DISPUTA PELO CONTROLE
- Lucia Hippolito: José Dirceu criou um monstro. Ou ...
- Com todos os méritos
- The way you look tonight - Lionel Hampton Quartet
- A última do Lula: um plano de metas para o ano 202...
- Over the rainbow - Jane Monheit
- Governo reabilitou Garotinho -Ricardo Noblat
- Corrupção e consumo conspícuo-RUBENS RICUPERO
- PSDB passa a se julgar novo porta-voz da moralidad...
- JANIO DE FREITAS :O nome da crise
- ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES:A importância mundial do...
- VALDO CRUZ:Gosto pela coisa
- CLÓVIS ROSSI:A ilusão da economia
- AINDA SOB RISCO
- DECLÍNIO ÉTICO
- Dora Kramer:Oposição abana o fogo amigo
- AUGUSTO NUNES:O estranho pânico dos inocentes
- JOÃO UBALDO RIBEIRO :Que tal uma tolerância zero p...
- Merval Pereira : Cenários possíveis
- O "Sombra" está de volta - caso Celso Daniel
- Corrupção:O líder por testemunha
- O devoto de Darwin
- Roberto Pompeu de Toledo:Se não é enrascada,é bici...
- Tales Alvarenga:O show dos animais
- André Petry:É a cara do Brasil
- Diogo Mainardi:Sou um Maurício Marinho
- O que será que ele sabe?
- Surgem sinais de que PT e PTB têm tudo a ver
- It could happen to you - Rod Mchuen
- Nada de arrependimento
- Burocracia e corrupção-GESNER OLIVEIRA
- FERNANDO RODRIGUES;Quando Lula fala
- CLÓVIS ROSSI:O despudor explícito
- A EUROPA EM XEQUE
- AUGUSTO NUNES:Desconfiem dos cargos de confiança
- Dora Kramer:Trocando os pés pelas mãos
- Zuenir Ventura:Vendendo a alma
- DORA KRAMER: Uma guerra sem estrelas
- The end of a love affair - George Shearing ao piano
- Lucia Hippolito : O mico pago por José Dirceu
- LUÍS NASSIF:A licenciosidade "offshore"
- A Gangue do "Cheque e Branco"
- VALDO CRUZ:Mais uma
- CLÓVIS ROSSI:Conspiração x fatos
- DESACELERAÇÃO MUNDIAL
- Como o governo operou para abortar a CPI dos Correios
- Merval Pereira:Choque ético
- Dora Kramer:Uma guerra sem estrelas
- Guilherme Fiuza: Garotinho é inocente
- O PC DE LULA?
- Jefferson e Garotinho humilham o governo
- I can’t get started - Booker Ervin, tenor saxofone...
- Roberto Macedo :Cargos, para que te quero
- Vade retro! PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
- JANIO DE FREITAS :Início à brasileira
- DEMÉTRIO MAGNOLI:Vergonha
- CLÓVIS ROSSI :De joelhos
- Lucia Hippolito:Salvou-se Suplicy
- Merval Pereira :Vôos tucanos (2)
- Miriam Leitão:Aquecimento local
- O PT no atoleiro-Ricardo Antunes
- AUGUSTO NUNES:A incontrolável paixão de Dirceu
- Dora Kramer:Oração no altar do auto-engano
- Heranças malditas PAULO RABELLO DE CASTRO
- FERNANDO RODRIGUESOtimismo e realidade SEUL
- CLÓVIS ROSSI:Saudades do Stanislaw
- Dora Kramer:Golpe? Só se for golpe de ar
- Pra que discutir com Madame - “João Gilberto in To...
- Do degrau à cadeira
- CPIsno governo FHC - o contrário do que dizem os pts
- Lucia Hippolito :Crise pedagógica
- Conspirações
- MiriamLeitão:Modelos latinos
- Merval Pereira: Vôos tucanos
- Xico Graziano:A força do arbítrio
- Rubens Barbosa:As Nações Unidas e os Estados Unidos
- Filosofia - Mart’nália
- Lucia Hippolito :Os riscos de uma CPI 'minimamente...
- Mirem-se no exemplo
- LUÍS NASSIF:O know-how político de FHC
- JANIO DE FREITAS :Os guardas da corrupção
- VALDO CRUZ:Canibalização
- CLÓVIS ROSSI :Pesadelo, sonho, pesadelo
- A OPORTUNIDADE DA CPI
-
▼
maio
(371)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA
Nenhum comentário:
Postar um comentário