Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 08, 2005

Miriam Leitão:Visão de Malan

   



O ex-ministro Pedro Malan acha que se o Brasil quiser estar entre os primeiros países do mundo tem que se apressar e investir muito em educação básica. "Tem que começar a investir desde cedo, não existe taxa maior de retorno do que o investimento que se faz na criança." Malan, além de ter ficado oito anos no Ministério da Fazenda, começou a participar do destino do país mais cedo: foi ele que dissolveu o caroço da dívida externa deixada pelo governo militar.
No jargão de televisão chama-se "passagem" aquele momento em que o repórter aparece falando. Na reportagem que fiz sobre os 40 anos da economia, gravei três "passagens". A primeira em Itaipu, símbolo da era de grandes projetos. É bom lembrar: um tempo de sonhos grandiosos na economia vividos no meio do pesadelo da ditadura.


A segunda "passagem" foi na Casa da Moeda, para explicar o transtorno que foi o longo tempo da superinflação. Ganhei de presente a cópia da última nota do período inflacionário: 50 mil cruzeiros reais. Pus num quadro e pendurei na parede. Certas coisas não se deve esquecer. A terceira "passagem" foi numa sala de aula. Lugar, onde lembrou Malan, o país precisa apressar o futuro.

Na primeira etapa dessa história, Malan foi um grande crítico do regime:

— Eu era um crítico. Eu sou um democrata. Acredito que uma sociedade na qual valha a pena viver é uma sociedade com liberdades individuais em busca de maior justiça social e maior eficiência.

Na segunda etapa, antes de ser ministro, ele foi primeiro negociador da dívida externa, depois presidente do Banco Central, onde viu o turbilhão da inflação.

— A taxa média de inflação na década entre 85 e 94 foi mais de 1.000%, saindo de 250% para 2.700%. Uma das grandes vitórias que eu atribuo à sociedade brasileira é que ela não permitirá que um governante, qualquer que ele seja, no futuro, traga de volta a inflação — disse.

Malan acha que os planos anteriores ao Real, os que deram errado, deixaram grandes lições:

— Eu acredito muito que as pessoas aprendem. Pessoas, empresas, países aprendem e muito com os erros e os acertos do passado. Eu acredito que, apesar das tentativas anteriores, Cruzado, Bresser, Verão, Collor I e II terem fracassado; apesar de todos serem, seis meses depois de lançados, apenas uma pálida idéia do que eram, houve um enorme aprendizado. Talvez até o sucesso do Real tivesse dependido do que foi aprendido no fracasso das tentativas anteriores. Nós estávamos convencidos de que, algum dia, o Brasil teria que derrotar a hiperinflação.

Um dos erros a evitar foi o plano-surpresa, porque a sociedade estava farta de tanto choque e susto.

—A mais tensa coletiva de imprensa que eu tive foi em 7 de dezembro de 1993, quando divulgamos a exposição de motivos para lançamento da URV. A gente dizia que não haveria congelamento de preços, e os jornalistas achavam que faríamos — lembra.

Quis saber se ele acha, hoje, que foi um erro manter o câmbio congelado durante tanto tempo:

— Sempre haverá um elemento de julgamento a esse respeito. Eu não conheço nenhuma experiência no mundo de um país que tenha derrotado uma hiperinflação sem ter, entre as suas âncoras, o câmbio, durante algum tempo contribuindo para representar uma dessas âncoras do processo.

Perguntei se quatro anos não era tempo demais. Ele rejeita a idéia de câmbio congelado e prefere a expressão minidesvalorizações, e acrescenta que não tinha outro caminho:

— As tentativas que nos foram propostas de, no fim de 94 e no início de 95, fazer uma desvalorização significativa do real, teriam feito — naquelas condições de economia superaquecida, o PIB rodando a 10%, em termos reais, as vendas a mais de 20%, a indústria a 14%, economia totalmente indexada — o Real se juntar às outras experiências fracassadas de desvalorização.

Segundo Malan, em 97 a idéia era acelerar as minidesvalorizações, mas aí vieram as crises da Ásia.

Ele disse que, naquele momento, estava acontecendo um processo de ajuste estrutural na economia brasileira — no agronegócio, nas exportações — que está aparecendo agora:

— Este comportamento extraordinário das exportações brasileiras, tanto no agronegócio, quanto na indústria, na área de serviços, não é um fenômeno que aconteceu de dois anos para cá, não é coisa que se inaugurou em 1 de janeiro de 2003. Ele é uma combinação de três coisas: o fim da hiperinflação, a abertura da economia brasileira à competição internacional e o fato de que permitimos a importação de bens de capital de alto conteúdo tecnológico. Isso aumentou a produtividade e os custos das empresas brasileiras baixaram. Não é um fato conjuntural, nós estamos vendo agora os frutos de mais de uma década de esforço.

O ex-ministro define como "terrivelmente angustiante" o momento da crise dos bancos. Conta que, em 86, com o Cruzado, alguns bancos sentiram o efeito da queda da inflação e começaram a se preparar para a economia sem inflação. Outros não fizeram esse ajuste.

— Os bancos que não se deram bem na fase pós-Real foram os que não apostaram que a inflação pudesse ser derrotada algum dia.

Outro susto foi a desvalorização de 99:

— Ficou claro que, quando todo o mercado se convence de que uma situação é insustentável, ela pode ficar insustentável mesmo. O governo não tem — nenhum governo isoladamente tem — capacidade de contra-restar fluxos internacionais. Num contexto assim, basta um detonador.

E, por fim, o conselho para o futuro do país é:

— Na educação não deve haver ideologia, e, sim, a idéia do país e seu futuro.
O Globo

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