Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 28, 2005

O "Sombra" está de volta - caso Celso Daniel

O caso Celso Daniel ganha fôlego com

um novo depoimento que envolve
o empresário amigo do prefeito

Marcelo Carneiro VEJA


Jonne Roriz/AE
Sérgio Gomes da Silva, o "Sombra": propina revelada em dossiê

Entre as muitas perguntas que ficaram no ar no episódio do assassinato de Celso Daniel, em 2002, uma se refere a uma situação ocorrida quando o então prefeito de Santo André ainda estava vivo no cativeiro. Na ocasião, divulgou-se que tanto o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) quanto o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), haviam recebido telefonemas de um homem que se apresentava como um dos seqüestradores do prefeito – e que pedia, em troca da libertação do refém, a transferência de alguns presos de cadeias de São Paulo e do Rio de Janeiro. A negociação não foi adiante, entre outras razões, porque Celso Daniel foi encontrado morto logo após o último telefonema. Nunca se soube quem foi o interlocutor de Suplicy e Alckmin e nem se estaria blefando. No último mês de abril, o Ministério Público ouviu um homem que diz ser o autor desses telefonemas. Em depoimento ao qual VEJA teve acesso, o detento José Márcio Felício – o "Geleião", que foi um dos principais líderes da maior organização criminosa de São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC) – afirma ter tentado negociar a libertação do prefeito em troca de benesses para si. No mesmo depoimento, ele faz afirmações que complicam ainda mais a situação do empresário Sérgio Gomes da Silva. O empresário chegou a ficar preso por sete meses, acusado de participação no seqüestro de Celso Daniel, de quem era amigo e homem de confiança. Foi solto em julho do ano passado. No decorrer das investigações, o Ministério Público colheu depoimentos e provas que demonstram a participação de "Sombra", como ficou conhecido o empresário, num esquema de corrupção que beneficiaria não só a ele como também aos cofres do PT. Um dos irmãos de Celso Daniel, o médico João Francisco Daniel, afirmou, em depoimento à Justiça, ter ouvido de Gilberto Carvalho – ex-secretário de governo na gestão do prefeito de Santo André e hoje chefe-de-gabinete do presidente Lula – que o esquema de propinas na prefeitura de Santo André teria arrecadado 1,2 milhão de reais, em espécie. O dinheiro, ainda segundo o testemunho de João Francisco, teria sido entregue por Carvalho ao então deputado federal José Dirceu, hoje ministro-chefe da Casa Civil. Dirceu e Carvalho negam a existência da propina.

Na época da captura do prefeito, Felício cumpria pena na penitenciária de segurança máxima Bangu 1, no Rio de Janeiro. No depoimento dado ao Ministério Público, ele conta que recebeu, pelo celular, o telefonema de um comparsa – espécie de subordinado seu dentro do PCC. O bandido pedia sua autorização para ajudar o seqüestrador Ivan Rodrigues da Silva, o "Monstro" – um dos envolvidos na morte do prefeito e atualmente preso –, a encontrar um cativeiro que abrigaria "um pássaro grande": Celso Daniel. Ao falar diretamente com Ivan, Felício conta ter proposto a ele que mantivesse o prefeito em cativeiro para que ele, Felício, por meio desse trunfo, conseguisse negociar sua transferência de Bangu 1. Ivan, porém, segundo Felício, avisou que não poderia atender o pedido porque o seqüestro havia sido "uma encomenda" e a ordem era "pau no gato". Na gíria da criminalidade, a expressão significa determinação expressa para matar. Ainda segundo o depoimento de Felício, um ano após o seqüestro, ele e Ivan se encontraram em outra penitenciária. Nessa ocasião, o seqüestrador teria revelado a ele o nome do mandante da "encomenda": Sérgio Gomes da Silva. Ivan ainda teria dito que, antes de morrer, Celso Daniel fora torturado para revelar onde havia escondido um dossiê com acusações contra Sérgio Sombra.

A menção a essa documentação fez com que os promotores procurassem a família de Celso Daniel, que já havia dito estar de posse de um dossiê contra Sérgio Sombra, encontrado no apartamento do prefeito depois de sua morte. No início do mês, o dossiê foi entregue ao Ministério Público. Trata-se de um envelope que, tendo como remetente um certo Gilberto, traz documentos obtidos em cartórios listando bens em nome de Sombra e amigos, além de nomes de empresas que, supostamente, pagariam propinas ao grupo. Embora, na opinião dos promotores, esse dossiê não seja aquele mencionado por Felício (teria sido produzido três anos antes da morte do prefeito e não apresenta poder de fogo para amedrontar Sombra ao ponto a que se referiu o bandido Ivan), ele reforça os indícios de que Daniel, havia muito tempo, tinha conhecimento das atividades ilícitas praticadas por seu homem de confiança.

O Ministério Público acredita que Felício fala a verdade – ao menos no que diz respeito ao fato de ter sido o autor dos telefonemas ao senador Suplicy e ao governador Alckmin. Mesmo assim, não se pode esquecer que o ex-líder do PCC é um bandido condenado e, como tal, merece que suas palavras sejam recebidas com o máximo de precaução. Seu depoimento, no entanto, somado à existência do dossiê entregue ao Ministério Público, reforça uma tese há muito defendida pelos investigadores: "Celso Daniel já sabia das acusações a Sérgio Sombra pelo menos desde 1999. Mas só passou a preocupar-se de fato a partir do momento em que se tornou coordenador da campanha presidencial do PT em 2002", afirma o promotor Roberto Wider. "Ao tornar-se uma 'vitrine', Celso Daniel pressionou Sérgio a acabar com o esquema de corrupção dentro da prefeitura, detonando o episódio que culminou com a sua morte."

O depoimento de Felício e o dossiê entregue pela família do prefeito provocaram, na semana passada, a reabertura das investigações sobre o assassinato de Celso Daniel. "Os fatos obrigam a instauração de um novo inquérito", diz o promotor Amaro Thomé. Logo após o assassinato do prefeito, o PT apressou-se em tentar sepultar o episódio, alegando que se tratava de um crime comum – mais um capítulo da violência urbana. Levantar qualquer outra hipótese seria uma vil tentativa de associar o partido a atividades espúrias, defenderam caciques petistas na ocasião. Vê-se agora que o PT pode estar errado. E que o sucesso efêmero de operações do tipo "abafa" não consegue impedir que os esqueletos continuem teimando em sair do armário.

Flávio Grieger/Folha Imagem
O ex-líder do PCC José Felício: tentativa de negociar com o senador Suplicy e o governador Alckmin a libertação do "pássaro grande" em troca de transferência de presídio

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