Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, maio 26, 2005

Miriam Leitão:Aquecimento local

O deputado Fernando Gabeira acha que o ministro José Dirceu falhou no seu trabalho de coordenação do plano de controle do desmatamento, já que ele é o chefe do grupo de trabalho. "Surpreendentemente, ele não falou nada, nem a imprensa cobrou dele." Gabeira lembrou que Dirceu sequer foi à Amazônia. O secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, rebateu a acusação e criticou: "Querem jogar um bom plano no lixo."

No Espaço Aberto desta semana, na Globonews, que vai ao ar hoje às 8h30m e às 15h30m, Gabeira e Capobianco divergem frontalmente ao analisar o dado de desmatamento.

Gabeira acha que o número prova que a política ambiental do governo Lula está falhando, Capobianco sustenta que poderia ser pior, que o governo atual reduziu a taxa de crescimento do desmatamento e que o número divulgado pega apenas quatro meses de atuação do Plano de Prevenção e Controle do desmatamento. As estatísticas medem de agosto de 2003 a agosto de 2004.

— O número é inadmissível, absurdo e inaceitável, mas falava-se de 30 mil km² e foi menos que isso — diz Capobianco.

— Os dados mostram que os problemas na Amazônia estão se agravando e que o plano coordenado pela Casa Civil não está dando certo — rebate Gabeira.

O deputado me contou que passou a noite do dia em que o número foi divulgado falando com a imprensa internacional sobre o assunto:

— Eles não diferenciam governo dos críticos, dizem que nós, os brasileiros, estamos destruindo a floresta. Acho que o presidente Lula deveria ter dado uma satisfação à opinião pública internacional. Os argumentos de defesa são todos evasivos, mas é típico de governo. Eles chegaram ao poder em janeiro de 2003. Quem foi ao campo viu por que o plano não funcionou: o dinheiro não chegou a tempo, as Forças Armadas não puderam estar lá por falta de recursos, os jornalistas que foram ao campo viram que o plano não daria certo. É melhor reconhecer que não houve dinheiro suficiente, por isso acho que se deveria procurar o Banco Mundial, que tem dinheiro disponível, e é preciso também usar melhor o Sivam. Se o plano não tivesse fracassado, não haveria essa comoção internacional.

A visão de Capobianco é totalmente outra; ele acha que as críticas são apressadas e que este é o melhor projeto já feito para a Amazônia:

— Não estou defendo o número de desmatamento; o deputado Gabeira está sendo injusto. Na realidade, nunca tivemos uma medida para a Amazônia estruturante como temos agora. Ele deveria considerar que recebemos o desmatamento crescendo a uma taxa de 27% ao ano, quando a economia crescia a 1%. Reduzimos o crescimento do desmatamento para 6% com o PIB crescendo a 5%. O desmatamento sempre esteve vinculado ao aquecimento da economia. Tem que se criticar, evidentemente. No entanto, o que não aceitamos é que se inutilize um projeto de prevenção que tem medidas estruturantes, após apenas quatro meses de funcionamento.

Gabeira discorda até da palavra "estruturante":

— Este governo fala que fez um plano integrado, mas o ministro José Dirceu, que coordena o grupo interministerial, coordena outros 59 grupos; é o Tio Patinhas dos grupos de trabalho: fica na piscina dele cheia de grupos de trabalho. Essa expressão "estruturante" é uma expressão mágica. É necessário reconhecer que o plano não funcionou.

Capobianco não concorda com Gabeira:

— Acho que o deputado está fazendo uma análise desonesta intelectualmente. Uma coisa é fazer uma análise crítica; estamos trabalhando na fiscalização num ritmo muito maior que antes; o governo está implantando medidas que a sociedade propôs, inclusive o deputado Gabeira. Nosso esforço vai apresentar resultados significativos. Não vamos jogar o plano no lixo, apelo ao deputado Gabeira para que não faça isso.

— É a última coisa que eu quero. Mas acho que é preciso executar bem o plano. O ministro José Dirceu não pode coordenar porque ele não tem envolvimento com a questão, nem foi à Amazônia, que eu me lembre. Nunca vi um presidente, diante de um número desse, ter a reação que o presidente Lula teve. Capobianco tem o mérito democrático de debater, mas está fazendo aqui o papel de tropa de choque — diz Gabeira.

— Não estou defendendo o governo, mas um plano de prevenção e controle de desmatamento. É preciso um plano que mude o modelo econômico de desenvolvimento da Amazônia. é inadmissível que se responsabilize uma pessoa ou outra se as medidas estão funcionando — responde Capobianco.

Hoje o governo tem mais ferramentas na mão. Uma delas é o sistema de detecção do desmatamento em tempo real, que revelou que 6.000 hectares foram desmatados em apenas dois meses do ano passado.

— Hoje, essa área que foi desmatada é a maior estação biológica do planeta. Criamos outras reservas e unidades de conservação. Este ano não há desculpa se governos federal e estadual não apresentarem resultado — afirma Capobianco.

Gabeira acha que o plano terá efeito se as terras forem monitoradas:

— Estação biológica não está automaticamente protegida.

O assunto mobiliza, o número é horroroso e o debate está aberto. Tomara que ele nos ajude a evitar desastre igual no futuro.
O GLOBO

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