Há 20 anos acabou o regime militar, mas, por uma dessas singularidades do Brasil, não se pode dizer que a democracia, como se entende, tem 20 anos. O presidente que assumiu em 15 de março de 1985 não foi eleito e, naquele momento, seria rejeitado em qualquer consulta. O que começou naquele dia foi a construção da democracia. Há quinze anos, outro 15 de março importante: o do dia em que o Brasil foi assaltado pelo pior plano econômico jamais arquitetado.
Mesmo com o benefício do tempo, dois dos atores dos fatos passados ainda não entenderam exatamente o que fizeram. O ex-presidente José Sarney disse, em entrevista neste fim de semana na “Folha de S.Paulo”, que deixou uma inflação “dentro de parâmetros normais”. Segundo seu torturante entendimento de economia, essa é a conta que deve ser feita: “Se nós fizermos uma apuração em dólar, que é a inflação verdadeira, a média anual do governo Sarney é de 17,3%.”
O ex-presidente Sarney acha, ainda hoje, que era bom aquele tempo da arrasadora inflação brasileira. “Todo mundo ganhou dinheiro na inflação. A coisa que eu mais vejo hoje é o sujeito me dizer: ‘Olha, no seu tempo eu tinha dinheiro; hoje não tenho’.” Os repórteres bem lembraram que nem todo mundo ganhava, apenas os que tinham dinheiro em conta remunerada. E ele insistiu com a tese improvável de que todos ganhavam.
Como já se sabe, a sensação de dinheiro na mão era pura ilusão monetária. Também, como se sabe, a superinflação tinha caráter perverso e concentrador de renda. Punia mais os mais pobres, entre outras razões, por não terem o abrigo da conta remunerada. Um peso desigualmente distribuído e que pesava mais sobre os mais indefesos. É por isso que a queda das taxas provocou o aumento do consumo, como aconteceu no Plano Cruzado e no Real, neste de forma mais duradoura.
Curiosa também é a visão da ex-ministra Zélia Cardoso de Mello de que o Plano Collor deu certo. Dois meses depois, a inflação já estava de volta aos dois dígitos e, só ao fim do segundo ano, o país teve acesso de novo ao próprio dinheiro, na gestão do ex-ministro Marcílio. O congelamento do dinheiro poupado pelos brasileiros foi uma violência, uma expropriação, um absurdo sem limites que um dia contaremos para os nossos netos e eles não acreditarão que toleramos aquilo por quase dois anos.
Acertada foi a decisão de iniciar a abertura comercial. Mas ela não foi o que se chama Plano Collor. Começou meses depois, teve caráter realmente inovador e é uma idéia vitoriosa. Em junho daquele ano, a então ministra Zélia anunciou o começo do desmonte do muro de proteção que distorceu a economia brasileira durante o governo militar. Era o primeiro passo de uma abertura que foi sendo implantada nos anos seguintes. Continuou apesar da queda de Collor, mostrando que aquela foi uma decisão do país e não uma imposição do governo que morreu na metade do mandato. Ainda há barreiras em vigor que precisam ser desmontadas.
Quando se comparam apenas as taxas de crescimento dos 21 anos do governo militar e as dos 20 anos de governo civil fica a impressão de que a ditadura foi mais bem sucedida do que a democracia na área econômica. A proposta econômica dos militares tem, até hoje, saudosos defensores, inclusive no atual governo, que, se pudessem, trariam de volta a era da proteção, dos empréstimos subsidiados às empresas nacionais, do fechamento da economia e das reservas de mercado.
Os dados mostram que o modelo autoritário faliu antes da chegada da democracia. Funcionou bem quando o mundo crescia fortemente nos anos 70 e desabou na crise da dívida do começo de 80, produzindo uma forte recessão entre 81 e 83. Na área fiscal, a ditadura entregou aos civis um país primitivo que tinha três orçamentos e a esdrúxula conta movimento.
No governo Sarney, foram dados os primeiros e corretos passos na direção de uma institucionalização do gasto público. Acabou a conta movimento, foi criada a Secretaria do Tesouro, começou a se montar o sistema de maior transparência e controle dos gastos que, nos anos seguintes, foi sendo aperfeiçoado. Uma etapa fundamental desse processo foi o fechamento dos bancos estaduais no governo Fernando Henrique. O último passo dessa caminhada foi a Lei de Responsabilidade Fiscal. Nada foi fácil, tudo foi necessário. Ainda não acabou e ainda há riscos de retrocesso. As muitas contratações do governo Lula sem que tenha sido feita uma reforma administrativa que dê mais flexibilidade ao governo nas suas demissões de quadros excedentes são um risco em potencial.
A abertura e a estabilização levaram a economia brasileira a um novo patamar de eficiência, competitividade, qualidade. Uma nova coleção de ferramentas gerenciais foi sendo utilizada pelas empresas na sua busca por custos menores e produtos melhores. As que tinham dependência química em relação à proteção do Estado fecharam suas portas ou venderam o negócio. O atual boom de exportação só é possível por causa dos aumentos de produtividade.
A economia mudou muito nos últimos 20 anos, passou por um sem-número de crises, superou obstáculos que pareciam intransponíveis e tem outros a superar. Neste aniversário de 20 anos do início da construção democrática, não há razão alguma para suspirar de saudades de modelos antigos. A democracia pode dizer que tem construído uma economia mais moderna e eficiente e que, até nos maus governos, deu passos importantes para esse objetivo. Isso, além de todas as virtudes que a democracia tem.
Entrevista:O Estado inteligente
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