Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 30, 2005

Primeira Leitura- De bodes exultórios e bodes expiatórios


Quem diria, o presidente da Câmara lembrou ao governo Lula que “a autonomia da Câmara fará bem à democracia”; é lembrança mais construtiva do que a patranha armada por palacianos que debita uma conta fictícia de R$ 30 bi nas costas de Severino

Por Rui Nogueira


O processo é visível na mídia e vai agora, com a derrota da Medida Provisória 232, tornar-se ainda mais visível. Há uma clara campanha de satanização do Congresso Nacional tomando a figura e os atos do presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), como alvo exemplar.

Os sopradores palacianos espalhados pelo Planalto e pela Esplanada dos Ministérios transformaram Severino em fonte de todos os males e problemas do governo Lula. Prestam um desserviço ao país ao se porem a serviço de uma causa áulica. Trata-se, explicitamente, de um jogo em que o governo se apresenta como bode exultório, já que a mídia serve Severino como bode expiatório, e o Congresso, como exemplo de desordem.

Enveredar por esse primarismo não deixa ver que o Executivo não é exemplo de ordem e que o Congresso, a rigor, nunca atrapalhou os planos do Planalto. Ao contrário, pois tem oferecido saídas para os imbróglios em que o governo se mete. Está aí a derrubada da MP 232 como saída política ordeira para uma desordem criada pelo Executivo.

Severino e os seus gastos contabilizados na conta dos bilhões – a maioria fictícios ou debitados em projeções para um futuro incerto – serviram para fazer esquecer os gastos do Executivo. Não se está aqui a esquecer a tentativa de Severino aumentar os salários dos deputados, não se está aqui a esquecer a defesa do nepotismo feita pelo presidente da Câmara. Estamos aqui a dizer que o governo Lula precisa culpar alguém pela sua desordem, e o Congresso foi para o sacrifício.

É bom que parte da mídia não compre fontes no poder fazendo contas com números que não existem. E é isso que mostra a opção pela satanização explícita do Congresso. São tão gritantemente espúrios esses números, que Severino os rebateu nesta terça-feira com a candura de um anjo político. Ninguém, do governo ousou apresentar contra-argumentação.

Severino é canhestro dirigindo as sessões, não conhece minimamente o regimento da Casa e precisa de um auxiliar que fique o tempo todo lhe dizendo, ao ouvido, a quem dar ou não a voz. Mas Severino foi posto lá pela articulação política PT-Planalto e não pode carregar nas costas a mentira de que, em um mês de gestão à frente da Câmara, “aprovou” projetos que podem abrir um rombo de “R$ 30 bilhões” nas contas públicas. Essa conta é uma ignomínia.

A decisão política de não renovar o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), tomada para tentar facilitar o discurso eleitoral em 2006, tem a ver com esse discurso que tomou Severino para Cristo de uma suposta gastança pública. Destacou-se a tropa de choque fiscalista do governo para ir preparando os espíritos e avisar que a manutenção do arrocho fiscal continuaria na ordem do dia depois do adeus ao FMI. Que assim seja, mas que se assuma a decisão.

O espantalho dos R$ 30 bilhões espetados nas costas de Severino é parte desse momento. Façamos as contas e rememoremos os fatos: 1) o aumento dos salários dos parlamentares foi barrado – ainda bem; 2) o aumento da verba de gabinetes, que custará em torno de R$ 93 milhões/ano, era um projeto definido na administração do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Casa, e que foi votado na administração Severino; os R$ 550 milhões de gasto gerado pela PEC Paralela da Previdência foram relatados pelo petista José Pimentel (CE) e votados em segundo turno, porque o primeiro turno havia sido aprovado na gestão João Paulo; os R$ 26 bilhões de gasto extra que a mudança na Loas (Lei Orgânica da Assistência Social) poderia provocar são uma hipótese que está na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara. Um desplante, portanto, a conta dos R$ 30 bilhões.

O governo, claro, exulta com essa conta debitada a Severino. É uma farsa, mas soa como bálsamo para o desastre político da reforma ministerial. Funciona, enfim, para não deixar ver o lado virtuoso de Severino, que, até o momento, suplanta, e muito, o populismo visceral em que ele nasceu e se criou como político e pode ser resumido na frase dita nesta terça, em discurso no plenário: “A autonomia da Câmara fará bem à democracia”.

Sim, essa autonomia incomoda o Planalto. Quem diria que o governo Lula, o governo do PT, um dia ouviria essa frase da boca de Severino Cavalcanti.

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