27.03.2005 | Neste governo que, bem ou mal, não deixa de ser o do publicitário Duda Mendonça, todo jornalista que ainda tem a pachorra de cobrir assuntos políticos precisa ler com urgência a reportagem de Ken Auletta, que está da revista “New Yorker” desta semana. Sob o título “O novo lema”, ela encara uma pergunta que mais cedo ou mais tarde o presidente Lula terá que fazer a seu marqueteiro eleitoral: será a que a boa e velha publicidade ainda funciona?
A resposta parece o resultado de uma rinha de galos. Todo mundo sai lanhado do texto, à medida que Auletta bate na porta das grandes agências americanas perguntando o que os clientes ganharam com os cinco bilhões de dólares que no ano passado gastaram com autopromoção só nos Estados Unidos. E ver um publicitário vender seu próprio peixe não deixa de ser divertido, ainda por cima na Páscoa.
Auletta avisa que o mundo da publicidade mudou. Já não é mais aquele do cinema americano, em que todos os publicitários ocupavam escritórios na Avenida Madison, almoçavam nos mesmos restaurantes e tinham nomes que nem precisavam se anunciar, tipo Ogilvy Benson & Mather, Young & Rubicam, McCann-Erickson ou J. Walter Thompson. Mas o mercado passou ultimamente por convulsões tectônicas e as placas em migração puseram na praça, da noite para o dia, siglas multinacionais como a WPP – quer dizer, Wire and Plastic Products, ou “produtos de arame e plástico”, um ex-fabricante de cestos metálicos na Inglaterra. A globalização passou pela Madison também.
Enquanto a publicidade se condensava em conglomerados anônimos, a audiência da televisão pulverizava-se em dezenas de canais, num planeta cada vez mais povoado por novos meios de comunicação, como a internet. Resultado: os publicitários passaram a tocaiar o público com “táticas de guerrilha” – por exemplo, anunciar os Dunkin Donuts colando etiquetas na testa dos universitários americanos. Foi assim, como o brasileiro mais desavisado já percebeu, que a propaganda voltou sem ser convidada às salas de cinema.
“Em 1965”, conta a reportagem, “os anunciantes podiam atingir 80% de seus mais cobiçados espectadores – aqueles entre 18 e 45 anos – simplesmente comprando espaço na CBS, na BBC ou na ABC.” Agora, a cada campanha os publicitários têm que descobrir aonde eles foram parar. Embora ainda haja programas de TV que nadam contra a diáspora dos telespectadores. O seriado “Friends”, em seu último capítulo, apartou no mesmo canal 55 milhões de americanos.
Mas, nos Estados Unidos – ou seja, se não já, mais cedo ou mais tarde também aqui no Brasil – as pessoas que têm hoje de 13 a 24 anos passam mais tempo diante de um computador, surfando a internet, do que vendo televisão, segundo a Mediamark Research Inc., citada na reportagem. Na internet, eles comparam preços, lêem testes dos produtos e trocam figurinhas com outros consumidores. Mas nem por isso os novos anunciantes perderam os velhos hábitos. Para lançar o Ipod – seu aparelho de MP3 – com o slogan “mil músicas em seu bolso”, a Apple investiu 24 milhões de dólares pesquisando o produto e 45 milhões em nove meses de publicidade.
Desse dinheiro todo, só 206 mil dólares foram parar em anúncios na Web. A novidade pegou. “Mas a verdadeira razão para o iPod llevar às cordas o mercado de música digital é bem mais simples”, diz Auletta. “O produto tinha sido brilhantemente concebido e desenhado. E a promoção boca-a-boca fez o resto.” E essa, como se sabe, atualmente se propaga via internet.
Em resumo, poucos anos atrás o típico publicitário bem sucedido era dono de um vasto ego cheio de certezas. Hoje, tem um vasto ego cheio de dúvidas. Tinham uma técnica e fingiam que era mágica. Agora fazem mágica e fingem que é uma técnica. Está na hora, portanto, de apresentar o modelo de Auletta. Ela se chama Lind Kaplan Thaler. É o que se chama, no meio, uma profissional da criatividade. Autora de máximas do gênero “não importa se a notícia é boa ou ruim; apareça”. Ou pior: “Às vezes me incomoda que os clientes estejam pagando pelo tempo que passamos trabalhando em seus projetos, em vez de pagar pelo valor das idéias”. Para ela, o segredo é subir à tona “num mar de mesmice”.
Dito e feito. Num mercado que está definhando, a agência Kaplan Thaler, fundada em 1997, desabrochou. Em 2003, foi cotada como a segunda empresa que mais crescia no ramo e a primeira de Nova York. Tem 140 funcionários e contas orçadas em 600 milhões de dólares. Nada mal, para oito anos de idade.
A sua é uma dessas histórias que só acontecem na publicidade ou em crônica de Luis Fernando Verissimo. Ela cresceu no Bronx, queria ser professora de matemática ou ensinar música. Trabalhou no palco e deu aulas de piano. Tinha um aluno que trabalhava numa agência e um dia lhe pediu um jingle. Ganhou notoriedade instantânea com o anúncio de um sanduíche que se irritava por não ser besuntado com certa marca de mostarda. Fez uma campanha mitológica para a Kodak. E chegou lá de uma vez por todas com um pato que dizia o nome do cliente – “Aflac”.
Vale a pena ouvir a história do próprio Auletta: “A companhia de Thaler estava concorrendo com outra agência e tinha seis semanas para conceber uma campanha. O time de criação de Eric David e Tom Amico, que lideravam o trabalho, começavam a se sentir frustrados. Caminhando para o almoço um dia, David repetia em silêncio: ‘Aflac! Aflac!’ Começou a falar a palavra em voz alta. Voltou correndo para o escritório, parou diante da mesa de Amico e, num tom anasalado, grasnou: ‘Aflac, Aflac’. Em cinco minutos, eles escreveran a primeira peça do comercial da Aflac”. As vendas da seguradora dobraram de tamanho em quatro anos.
Seis anos depois, quando Auletta entrevistou Thaler, encontrou-a cercada de potenciais clientes. A maioria vai ali querendo sua própria versão do pato Aflac, ela explicou ao repórter. Em seu cartão de visitas, acaba de acrescentar a palavra “animadora”. Com a tal criatividade transbordando por todos os lados, ela está de olho na carreira artística que tinha deixado para trás. A publicidade continua infalível para promover publicitários.
Entrevista:O Estado inteligente
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