O governo se move entre a necessidade de cautela e a vontade do gesto político simbólico, para decidir se prorroga ou não o acordo com o FMI. A decisão, que deve ser anunciada nessa próxima semana, esteve praticamente tomada, a ponto de o presidente Lula já ter falado em público que ele não seria renovado.
A deterioração da situação econômica internacional, já registrada na ata do Copom, fez com que as negociações entre a equipe econômica e o pessoal do Fundo, nos últimos dias, sofressem uma ligeira mudança de rumo, embora ainda não seja possível dizer que haverá um recuo por parte do governo brasileiro.
Não há uma definição ainda sobre se há algum risco maior, apesar da melhora de fundamentos da economia brasileira. Há os que, dentro do governo, ainda achem que, independente de qualquer coisa, é sempre bom ter um acordo com o FMI, afinal ninguém sabe como a situação externa vai ficar. Outros acham que a situação do Brasil está de tal maneira sólida que não há necessidade de um novo acordo, o país já estaria preparado para ter uma vida normal nos bons momentos de liquidez internacional, e nos maus momentos também.
De qualquer maneira, parece ao governo uma decisão muito mais fácil de ser tomada hoje do que já foi no passado. Com os fundamentos da economia brasileira em bases sólidas, não é uma hipótese plausível, para os analistas do governo, haver fuga de capitais devido ao aumento dos juros americanos. O que pode existir, e a equipe econômica considera positivo, é uma diminuição das apostas especulativas muito fortes, o que reduziria um pouco a volatilidade.
O Banco Central, apesar de atento ao aumento dos preços do petróleo e às taxas de juros americanas, acha que está mais bem preparado do que o mercado financeiro imagina para essas mudanças, que não foram surpresa para seus analistas. Eles consideram que o ajuste da política monetária americana prossegue normalmente, e lembram que o Fed, o Banco Central americano, sempre avisou que, se os riscos aumentassem, eles poderiam acelerar um pouco o processo. Ainda não parece ser o caso, mas pela linguagem do último comunicado essa parece ser uma probabilidade maior no momento, o que é a grande mudança.
Não chega a ser uma mudança significativa de posição e na leitura do Banco Central, o que mudou um pouco foi a percepção dos mercados financeiros internacionais. Eles tinham sido preparados pelo Fed para o aumento gradual da taxa de juros, e quando ele começou, ficaram muito otimistas, o que fez com que as taxas de longo prazo caíssem. Os mercados acharam que o ajuste seria mais lento, e que, independentemente de qualquer coisa, a inflação de longo prazo nos Estados Unidos estava sob controle.
O presidente do Fed, Alan Greenspan, chegou a se referir “ao enigma”, que era justamente o otimismo do mercado, e as taxas de longo prazo tão baixas, comportamento que não era consistente com o movimento de elevação de taxas do Fed. As taxas fixadas até junho do ano passado eram mais consistentes com esse movimento, e os mercados estão voltando a elas.
Para os analistas do governo brasileiro, este é um movimento normal, de ajuste da percepção do mercado financeiro, que estava otimista demais. Os técnicos do Banco Central gostam de salientar que, aqui como lá, há dificuldade de entender que quando o Fed diz que a inflação a longo prazo estará sob controle, dentro da meta implícita, não é preciso dizer que ele afirma isso por que tomará todas as medidas de política monetária necessárias para que isso aconteça.
O erro de entendimento do mercado financeiro internacional, segundo os analistas do Banco Central, foi achar que havia alguma coisa estrutural na economia americana que garantiria que, mesmo que as taxas continuassem muito baixas, a inflação ia ficar controlada nos próximos dez anos. Segundo essa análise, Alan Greenspan apenas esclareceu o óbvio em seu último comunicado, que é o que também o Banco Central faz aqui: a inflação ficará sob controle desde que sejam tomadas as medidas monetárias adequadas.
A mudança no quadro internacional certamente nos afetará, e afetará o mundo de maneira geral, o que pode ser um risco. O governo diz que a diferença é que essa possibilidade não é uma surpresa para nós, e que estamos nos preparando para isso há bastante tempo. Algumas medidas tomadas mostram, segundo o governo, como estávamos nos preparando para uma eventual reversão do quadro internacional.
O governo se dedicou fortemente à tarefa de reconstruir as reservas, e trouxe as reservas líquidas (sem contar o dinheiro do FMI) para um patamar recorde em torno de US$ 37 bilhões, o maior desde que foi feito o acordo com o Fundo. Os técnicos do governo lembram que chegamos, em um momento, a ter reservas líquidas de US$ 13 bilhões. Chegamos a ter 40% de nossa dívida atrelada ao câmbio, e hoje ela está em apenas 5%. Outro critério de avaliação de vulnerabilidade, o pagamento de juros externos com exportações, caiu de 35% do total das exportações para cerca de 15%. A dívida externa total sobre exportações, que já esteve em patamares de cerca de quatro vezes, hoje já está bem abaixo de duas vezes.
Todos esses números mostram uma redução da nossa vulnerabilidade externa, e uma situação diferente daquela de há poucos anos atrás, permitindo ao governo tomar uma decisão com relação ao FMI bem mais tranqüilamente. Os dados técnicos estão dando respaldo a uma decisão que deve ser sobretudo política, no caso de não renovação do acordo. Mas há ainda na equipe econômica quem esteja procurando uma maneira de manter os vínculos com o FMI de maneira mais branda.
Entrevista:O Estado inteligente
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