Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 31, 2005

Folha de S.Paulo -PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.:Bye, Bye, FMI- 31/03/2005





"You say goodbye and I say hello
Hello, hello
I don't know why you say goodbye
I say hello" Lennon & McCartney

A decisão de não renovar o acordo com o FMI foi um passo acertado e recebeu apoio geral. Uma vitória política para o governo Lula, portanto.
O governo oscilava entre dois objetivos conflitantes. Por um lado, pretendia "faturar" na opinião pública a decisão de "caminhar com as próprias pernas" e dispensar o apoio do Fundo. Por outro, não queria assustar os mercados financeiros. O presidente da República e o ministro da Fazenda adotaram, assim, um discurso comedido e sóbrio. Saíram-se bem. Os mercados nem piscaram (por enquanto), os meios de comunicação deram cobertura favorável e a cotação do governo deve ter subido na população.
Evidentemente, a vitória nada tem de espetacular. Não é comparável, por exemplo, à que foi alcançada pelo governo Kirchner na reestruturação da dívida pública argentina. Na realidade, a decisão veio tarde. Poderia ter sido tomada já no final de 2003, quando o governo Lula, por excesso de zelo, resolveu prorrogar por mais 15 meses, até março deste ano, o acordo "stand-by" que havia sido negociado pelo governo Fernando Henrique Cardoso em 2002. O Brasil nem teve que efetuar saques nesse último empréstimo, limitando-se a pagar ao FMI os vencimentos de principal, de juros e as comissões pelos recursos disponíveis não-utilizados.
Além do mais, convenhamos, não é normal que um país fique tanto tempo debaixo das asas do FMI. O Brasil ficou submetido a monitoramento do FMI desde fins de 1998. Todo o segundo mandato de FHC e um pouco mais da metade do governo Lula transcorreram sob a tutela desse organismo. Se o governo brasileiro resolvesse agora estender por, digamos, mais 15 meses o acordo "stand-by", o país completaria quase oito anos como cliente do FMI. Ora, os empréstimos "stand-by" são linhas emergenciais, utilizadas normalmente por períodos curtos, de 12 a 18 meses.
Seja como for, a pergunta mais importante é a seguinte: que diferença fará essa decisão para a vida prática do país? Pouca, na minha opinião. O FMI já foi "internalizado" pelo governo brasileiro. Contamos hoje com a valorosa contribuição de um "FMI doméstico", solidamente instalado na Fazenda e no Banco Central. Ocorreu uma espécie "sui generis" de substituição de importações.
Pior: o "FMI doméstico" é às vezes mais radical e inflexível do que o original. É o velho fenômeno: para apagar o seu pecado original -a condição de subdesenvolvido nato e hereditário-, o economista ortodoxo tupiniquim está sempre buscando meios e modos de demonstrar fidelidade canina aos princípios da economia tradicional.
Como se comportará o "FMI doméstico" sem o apoio direto e formal dos seus mentores em Washington? O risco que corremos (e já há vozes no mercado financeiro clamando por isso) é que novas medidas restritivas venham a ser adotadas. O raciocínio (ou pretexto) é o seguinte. Sem o FMI, o governo pode ter problemas de credibilidade. Precisaria antecipar-se e dar demonstrações concretas de que está preparado para tomar medidas duras de forma independente, "sponte sua".
Por essa linha de argumentação, caberia à Fazenda, por exemplo, elevar a meta para o superávit fiscal primário, o que poderia significar aumentos de impostos, cortes de investimentos públicos ou redução de programas sociais. Outro exemplo: o Banco Central deveria manter a taxa básica de juro em nível muito alto por mais tempo (ou até aumentá-la ainda mais). Ainda outra possibilidade: o governo adotaria certas "reformas" bem-vistas pelo mercado financeiro, como a concessão de autonomia formal para o Banco Central. Leia-se: estabilidade no emprego para os membros do Copom (Comitê de Política Monetária do BC) -aqueles que estão sempre ameaçando os empregos dos demais brasileiros.
Se essa linha prevalecer, só nos restaria berrar: "Help! Tragam o FMI de volta!".

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