"O que está acontecendo com os jovens
da Febem de São Paulo é um escárnio
desmesurado que coisifica a eles
e a nós próprios"
Eu defendo os jovens da Febem. Eu os defendo porque eles são criminosos, delinqüentes e marginalizados. Eu os defendo porque são feios, pobres, analfabetos. Eu os defendo porque são pretos e pardos. Eu os defendo porque eles têm muitas cicatrizes e poucos dentes. Porque são párias da sociedade. Porque são tratados como lixo humano, escória social, monturos desprezíveis. Eu os defendo porque estão do lado errado da vida, estão no avesso do conforto, do prazer, do brilho. Eu os defendo porque uma sociedade que deixa alguém sem defesa, à deriva de respeito, desumaniza-se a si mesma. Eu os defendo porque sou a favor de nossa própria humanidade – e o que está acontecendo com os jovens da Febem de São Paulo é um escárnio desmesurado que coisifica a eles e a nós próprios. São fugas, rebeliões, estupro, tortura, paulada, espancamento.
E o que faz o governo de São Paulo?
Está fazendo uma reforma radical, que os especialistas até acham boa e necessária, mas já advertem que não resolverá o problema.
E o que diz o governo de São Paulo?
Diz que não pode resolver da noite para o dia problemas que começaram há anos e anos. Textualmente, o presidente da Febem, Alexandre de Moraes, disse o seguinte: "Eu seria leviano em afirmar que de uma hora para outra tudo vai melhorar. O que vem de trinta anos..." Claro, seria mesmo leviano prometer uma solução completa em tempo tão curto. Mas sua declaração tem um defeito grave: parte do princípio de que as atuais autoridades do governo paulista chegaram ao posto anteontem. É uma enganação grosseira cujo objetivo parece ser apenas o de inocentar um político que está no governo de São Paulo há – lembremo-nos – nada menos que dez anos! O governador Geraldo Alckmin, um tucano cuja plumagem vistosa alçou à condição de presidenciável, está no governo há anos e anos, portanto. Foi vice-governador no primeiro mandato de Mário Covas, eleito em 1994. Foi vice-governador no segundo mandato, durante o qual, com a morte do titular, virou o governador de fato e de direito. Depois, foi eleito ele próprio governador... Como vice e titular, Geraldo Alckmin está lá há dez anos. Repetindo: dez anos.
Há dez anos, a Febem já era um depósito humano, uma universidade de degeneração, atrocidades e barbárie. Será que, no linguajar das autoridades que cuidam da juventude infratora em São Paulo, uma década inteira quer dizer "de uma hora para outra"? Será que dez anos é pouco tempo para fazer uma reforma na Febem? Ou será que o governo só levou o assunto a sério depois que – com risco para sua "imagem" – começaram a pipocar descontroladamente fugas em massa e rebeliões sangrentas? Talvez este seja o ponto: o governador resolveu mexer no assunto (dignando-se, finalmente, a retomar projetos relevantes inaugurados por Mário Covas) depois que pressentiu um risco à sua "imagem". É revoltante, mas parece que pouco importava que os jovens estivessem encarcerados numa latrina humana enquanto isso não ferisse a "imagem" do governo.
Eu defendo os jovens da Febem porque, além de tudo, ainda são vítimas da demagogia das autoridades.
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