Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, março 28, 2005
O GLOBO HELENA CHAGAS: Malharam o Judas
Severino Cavalcanti foi o judas do Sábado de Aleluia, mas quem continua sendo malhado Brasil afora é o Congresso. Lula, o presidente que não é lá muito chegado às articulações parlamentares, mas tem uma tremenda intuição para captar o sentimento das ruas, comprou a briga certa — ainda que o preço a pagar seja a dificuldade de recompor a maioria na Câmara a partir desta semana.
Sabe-se que o presidente, como democrata que já sofreu na pele as perseguições de um regime autoritário que amordaçava o Parlamento, não o fará. Mas faltaria pouco para, se quisesse, faturar com o descontentamento popular em relação ao Legislativo. Apostar na pressão de fora para dentro seria, no limite, uma forma de driblar a falta de maioria organizada para aprovar projetos de interesse do Planalto. Ou até de justificar à opinião pública uma série de mazelas.
É bom que fique claro de novo: Lula não está, pelo menos por enquanto, investindo nessa estratégia, repudiada pela maioria de seus articuladores políticos. Eles estão trabalhando com todo o empenho para reorganizar a base governista na Câmara. Mas esse e outros cenários andam assustando muita gente.
O desgaste na imagem do Legislativo a partir da identificação do Poder com seu presidente — e, afinal, quem foi mesmo que elegeu Severino? — passou a ser um dado real para cada um dos 513 deputados. E até dos 81 senadores, já que para o povão é tudo a mesma coisa.
A ira da população com os políticos, seus gastos, aumentos e outras gracinhas, está nas ruas, nos judas malhados do fim de semana, nas cartas dos leitores, nas mensagens da internet. Nestes 20 anos de democracia plena, raras vezes tivemos momentos de tanta indignação popular com o Congresso. No mínimo, a repulsa geral deve provocar em cada parlamentar aquela sensação de que vai sobrar para todo mundo em 2006. Reeleição nunca mais.
Alguns líderes, no governo e na oposição, já perceberam que o quadro que aí está é ruim para todo mundo: para o Congresso, para o Planalto e até para Severino, um político de origem clientelista que perdeu um ministério que estava na mão e um homem religioso que não deve estar à vontade no papel de Judas.
É por aí que, a partir de hoje, é preciso ganhar corpo uma articulação com objetivo mais amplo do que simplesmente recompor a maioria governista na Câmara. Objeto de conversas entre parlamentares de tendências diversas nos últimos dias, essa tentativa de reorganização geral das forças políticas que se dispersaram na eleição de Severino prevê o fortalecimento dos líderes e, sobretudo, o enquadramento do presidente da Casa.
Alguém precisa chegar para Severino e explicar que a brincadeira acabou. A imagem da instituição está em jogo e as decisões não podem ser tomadas por um homem só. No limite, talvez seja bom lembrar que o plenário que elege também destitui.
Tudo isso, porém, pressupõe um desarmamento de espíritos ou, ao menos, uma trégua entre governo e oposição — realisticamente, coisa cada vez mais difícil à medida em que começam a brilhar as luzes de 2006. Afinal, não foram o PSDB e o PFL que ajudaram o baixo clero a eleger o Severino?
Pois é. O problema agora é que, pelo menos em relação ao Parlamento, trata-se de uma questão de sobrevivência. Ou governistas e oposicionistas se entendem para recolocar a Câmara na trilha do bom senso ou irão juntos, de mãos dadas, para o beleléu.
PMDB: entre dois amores
O que terá dado nesse pessoal do PMDB do B, que lutava ferrenhamente para levar o partido para a oposição — a ponto de brigar na Justiça para fazer sua convenção — e de repente resolveu se aproximar assim do governo?
Michel, Geddel e até Padilha já estiveram no Planalto. O presidente do PMDB, depois de Lula, irá amanhã a Palocci e Dirceu, com Rosinha a tiracolo. Até mesmo o resistente Jarbas Vasconcelos teve conversa considerada excelente com Lula em Recife. Só falta Moreira Franco.
Explicação exata para esses amores todos ninguém tem. Mas passa, sem dúvida, perto da constatação dos caciques do PMDB oposicionista de que, dentro em pouco, quem iria acabar comandando o grupo era o ex-governador Anthony Garotinho — que hoje controla 27 dos 43 peemedebistas que não apóiam o governo na bancada da Câmara.
A vida dá voltas e voltas. Há ocasiões em que é melhor bater continência ao Planalto do que ao comandante Bolinha.
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Um comentário:
"Qual a vantagem de ter conquistado a presidência?"
De Plínio de Arruda Sampaio, advogado, ex-deputado federal pelo antigo Partido Democrata Cristão, cassado pelo golpe militar de 1964, exilado no Chile e nos Estados Unidos, ex-deputado federal pelo PT, agora candidato à presidência nacional do PT:
* (...) "o governo coloca a reeleição como prioridade primeira e única. Essa estratégia costuma ser decepcionante, porque em política, há um axioma poucas vezes desmentido: todas as vezes que um político de esquerda adota um discurso de direita na esperança de conseguir votos, perde o apoio dos antigos eleitores e termina por não ganhar nada da direita, que prefere votar nos seus autênticos representantes.
* (...) Todos os setores inconformados com a atuação do governo Lula sabem que o PT conquistou o governo mas não o poder. Por isso, nenhum deles está sugerindo que Lula tome medidas de transformação socialista.
O que se pede é pouco: não continuar a política econômica do FMI. Pois, neste caso não terá como cumprir compromissos assumidos na campanha eleitoral.
Se nem isto é possível sem provocar desestabilização, cabe perguntar: qual a vantagem de ter conquistado a Presidência?
* (...) Hoje, governabilidade quer dizer: não perder votações no Congresso. Um presidente pode perder votações e manter perfeitamente a governabilidade. O regime é presidencialista e a Constituição oferece ao chefe do Executivo instrumentos para governar em minoria no Congresso.
Além do mais, como líder político da nação, o presidente pode conseguir a aprovação de leis acionando a opinião pública para que ela pressione, democraticamente, a maioria que se recusar, por mera politicagem, a aprovar projetos de interesse do povo."
(Entrevista a Israel Tabak publicada hoje pelo Jornal do Brasil)
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