Folha de S.Paulo - CLÓVIS ROSSIi: O elogio do nepotismo - 22/03/2005

SÃO PAULO - O presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, ou é um tremendo cara-de-pau ou não entende bem o que as pessoas dizem. Ou ambas as coisas.
É a única conclusão possível a partir de sua defesa para a acusação de que empregou na Câmara dos Deputados um lote de parentes tamanho que faz a palavra nepotismo ficar pálida. Aliás, Severino não se defende, não, senhor. Ao contrário, ele se orgulha das cenas explícitas de nepotismo que patrocinou.
Seu raciocínio é primário, o que, de resto, não surpreende ninguém: "A mídia quer, a opinião pública quer" (que ele aja assim). "Quer", segundo ele, porque a opinião pública, via mídia, teria verbalizado queixas pelo fato de ele, Severino, não ter formação superior.
Parte do raciocínio é até correta. De fato, houve resmungos, nem sempre audíveis, a respeito de sua precária formação. Mas daí a achar que a opinião pública acha ótimo que parentes de parlamentares com diploma universitário devam ser empregados pela Câmara (ou pelo Senado) vai uma distância que só pode ser percorrida ou pelo mais completo cinismo ou pela mais completa incapacidade de interpretação.
A reação do público à tentativa de Severino de aumentar os salários de seus pares é uma demonstração de que, ao contrário do que pensa o presidente da Câmara, uma fatia do eleitorado está é farta das mamatas que caracterizam o comportamento de boa parte dos parlamentes.
Nem assim Severino deu-se por aludido. Ao contrário, acabou concedendo o aumento, pela via torta da elevação das verbas de gabinete. Ou seja, além de praticar nepotismo, ainda aumenta com uma canetada os custos para o Tesouro de sua parentada, entre outros beneficiados.
Não obstante, aposto um supositório como Severino será reeleito em 2006, por ser a cara do Brasil, país em que, num dia, se descobrem maracutaias com a anistia e, no dia seguinte, com o seguro-desemprego. Pelo menos em trambique, de fato, o melhor do Brasil são os brasileiros.