Não sei quem tem razão nesse barraco politico-burocrático da intervenção nos hospitais do Rio. Mas confesso que me agradam gestos radicais que rompem com os labirintos que freiam qualquer emergência no Brasil. Achei ótima (se bem que tardia) a intervenção do Exército no Pará. Alguma truculência é necessária. A democracia não pode ser álibi para a paralisia e o descaso do governo. Lula fez bem em botar para quebrar no Rio, não importa se o fez para prejudicar o Cesar Maia, se foi político ou não. Os hospitais são campos de concentração, cemitérios de vivos. Bendita intervenção sim, nem que seja como exemplo. A cidade está virando um pesadelo e a intervenção foi um atalho no mundo da impossibilidade. Toda a História brasileira foi calculadamente organizada para que nada mude jamais. Sou a favor do “pau na mesa”, que FHC pouco usou, mas que é mais do feitio do Lula. Use-o, Lula, bota pra quebrar, principalmente no Rio...
Nós estamos salpicados de favelas, de onde descem hordas de vagabundos de bermuda para pescar cidadãos como num parque temático, somos legislados por uma Assembléia tomada de assalto por quadrilhas impunes, temos PMs assassinados pelo tráfico cada vez mais poderoso, temos a aliança de forças repressivas e bandidagem, não temos nem uma guarda costeira, somos governados por populistas de direita, há decadas. Nosso melhor governador foi o Carlos Lacerda, nos bons tempos do Estado da Guanabara, homem inteligente e competente que foi o ódio máximo de minha juventude (podem me esculhambar, velhos comunas...), mas que nos trouxe luz, água, túneis, urbanização, o conceito de administração moderna contra a politicagem fisiológica. Não temos nenhum político decente no horizonte que possa se opor à anomalia de Garotinho, depois que o PT no Rio se desmoralizou pelas alianças canhestras que fez. .
Cariocas, somos considerados criativos e manemolentes, quando hoje estamos apenas mal informados e sem inspiração. Hoje somos malandros com o terno esfarrapado, a navalha sem aço e o chapéu panamá rasgado. O carioca tem uma “poética” falta de responsabilidade política. Nossas ideologias se afogam no chope ou na praia. Carioca gosta de falar de política mas não de agir politicamente. Em movimentos abstratos, pedimos paz, cantamos, choramos. Eu já falei mal do movimento Basta!; me esculacharam e fiz autocrítica, pois fui injusto com gente séria, mas... pelo amor de Deus, “basta!” não basta. Temos de tomar outros caminhos, com políticos decentes que possam nos governar, sem acreditar em salvacionismo e esperar que alguém vai chegar com espada e lança montado num cavalo branco. Não. Nenhum Napoleão sobrevive, se cair dentro dessa máquina burocrática e corrupta. Tornou-se impossível governar sem uma macromudança no estado e na prefeitura. O Rio está organizado para “não” funcionar.
Desde o fim do Estado da Guanabara em 75, o Rio virou a arena de uma superposição de disputas políticas que nos transformou num circo de poderes que se anulam mutuamente. Diziam que o Rio era a cabeça e que o Estado do Rio era o corpo e que um não vivia sem o outro. Deu errado. O corpo e a cabeça hurlent de se trouver ensemble (sempre quis usar essa expressão): “uivam de se verem unidos”.
O governador e prefeito sempre disputam o poder sobre a cidade-mulher. O poder público se divide em três (federal, municipal e estadual) e, nessa confusão, tudo se paralisa. O Rio de hoje é o filho defeituoso que a ditadura militar criou, com a estratégia geiseliana de afastar o MDB de uma possível vitória na política nacional em 75.
Felizmente, já vemos no horizonte a mudança do protesto para a ação. A desfusão dos dois estados e a volta da Guanabara já é um tema fervilhante. Há pessoas seriíssimas estudando o assunto, sem contar outros grupos pensando a cidade. Ninguém sabe ainda o que é melhor para o Rio mas, graças a Deus, estamos saindo do lamento e partimos para duvidas e polemicas técnicas e administrativas. Já está obvio que temos de agir dentro da politica, pragmaticamente, em busca de alguma mudança estrutural.
Precisamos de cinturões industriais na periferias, precisamos criar algum objetivo econômico para a região, seja a desfusão , seja a criação de uma “Hong Kong” carioca, uma base financeira e cultural. A idéia de que há uma solução para o Rio é errada. O Rio tem de planejar seu futuro em cima de um luto, de uma aceitação do Insolúvel.
E o governo central tem de entender também, com ou sem Lula, que o Rio não é uma cidade a mais; o Rio é uma calamidade urgente que tem de ser assumida, como o desmatamento da Amazônia ou a dívida interna ou a seca no Nordeste. Só essa consciência e uma grande alocação de verbas podem ajudar o processo.
O que mais precisamos organizar é uma nova força política. As famílias da elite do Rio não querem mais que seus filhos entrem na vida pública. O que era uma honra virou vergonha. Sei que isso soa romântico, mas precisamos criar estruturas no sistema partidário que nos permitam agir. Não temos políticos. Não temos oposição aos populistas e corruptos. Quem vai governar o Rio quando Rosinha sair? O marido, de novo? Quem vai cuidar de forma não populista da desgraça da cidade? Há grande homens no Rio. No PV, no PT, no PSDB, na Academia, na Firjan, sei lá onde, há também pessoas sérias que já estão trabalhando e que deveriam se unir. Seja como for, com ou sem Guanabara, precisamos fundar algo como um PRJ — Partido do Rio de Janeiro. Senão, como diz o Agamenon, estamos fo@#$%*didos .
Entrevista:O Estado inteligente
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