Só compreenderemos a crise dos hospitais federais municipalizados no Rio de Janeiro se deixarmos de pensar nela como um problema conjuntural que pode ser resolvido por uma melhor gestão daqueles hospitais, e o entendermos como um problema estrutural que diz respeito à "propriedade" do serviço. Para que a eficiência se alie à boa qualidade dos serviços, a moderna gestão pública ensina que a propriedade dos hospitais não pode ser estatal, nem deve privada: deve ser pública não-estatal, ou seja, deve caber a entidades sem fins lucrativos da sociedade civil.
Em 1997, no processo da Reforma da Gestão Pública 95/98, que coube a mim liderar, no primeiro governo FHC, foi decidido transformar aqueles hospitais federais em "organizações sociais". Ou seja, transformá-los em organizações controladas pela comunidade local, que teriam conselhos de administração com a participação minoritária de representantes dos governos federal, estadual e municipal. Esses hospitais deveriam continuar a ser absolutamente gratuitos, atendendo pacientes protegidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde), mas não fariam parte do aparelho do Estado. Seus novos funcionários, portanto, não seriam servidores públicos, mas celetistas. Os antigos conservariam naturalmente aquela condição, permanecendo nos hospitais cedidos pela União. Em troca da cessão do prédio e dos equipamentos do hospital à organização social, e do pagamento a ela de um valor adicional além dos recursos garantidos pelo SUS, a organização social de cada hospital assinaria com a União um contrato de gestão.
A oferta de serviços sociais e científicos através de organizações sociais, em vez da oferta direta, é comum a todas as reformas da gestão pública que vêm ocorrendo nos países mais desenvolvidos a partir dos anos 80. É um dos princípios básicos da Reforma da Gestão Pública de 95/98. A lógica por trás dela é simples. É impossível ao Estado controlar com eficiência o grande e variado número de serviços sociais e científicos que lhe cabe oferecer. Muito mais lógico é recorrer à descentralização para entidades sem fins lucrativos que são as organizações sociais. Dessa forma, retira-se o serviço de dentro do aparelho do Estado, onde ele tende a ser monopolista e, por isso, mesmo ineficiente, e o atribui a uma organização da sociedade civil: a uma organização social.
Nessa qualidade, a entidade recebe um recurso do Estado e é obrigada a fazer o melhor uso dele, porque compete, perante o Estado e a sociedade, com outras entidades semelhantes, por padrões de excelência que nascem da própria comparação entre desempenhos. É isso que se chama, na Reforma da Gestão Pública de 95/98, de "competição administrada": não uma competição por lucro, ou por clientes, mas uma competição por padrões de excelência que nascem da própria sociedade e das possibilidades concretas que as instituições têm de atingi-los.
Entretanto, provavelmente porque houve resistência dos servidores públicos lotados nos hospitais federais do Rio de Janeiro, abandonou-se o projeto de organizações sociais. Seu argumento é sempre o de que haveria "privatização" dos hospitais, quando na verdade o que ocorre é a sua "publicização" -sua transformação em organizações públicas não-estatais que efetivamente atingem seus objetivos públicos. Abandonou-se o projeto e voltou-se a municipalizá-los, imaginando-se que uma simples descentralização administrativa, sem a devida mudança estrutural na forma de propriedade, fosse suficiente para resolver o problema. O desastre anunciado não tardou.
Em contraste, em São Paulo, o governador Mário Covas compreendeu a importância das organizações sociais previstas na Reforma da Gestão Pública de 95/98, enviou uma lei especial para a Assembléia Legislativa, e transformou os hospitais que estava construindo em organizações sociais. Eram inicialmente 11 hospitais, hoje são 15, e estão se revelando extraordinariamente eficientes, ao mesmo tempo que oferecem um serviço de alta qualidade. Seu custo é 25% menor do que o de hospitais similares estatais, e a qualidade do seu serviço tende a ser consideravelmente melhor. A Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo controla com firmeza os recursos que aporta aos hospitais, mas controla os próprios hospitais de longe, pelos resultados que alcançam, e não através dos mecanismos de supervisão que são inevitáveis quando os serviços são administrados diretamente.
Diante dessa experiência, os políticos tradicionais e os burocratas clássicos resistem, porque se sentem ameaçados no seu poder. Na verdade, porém, quando adotam organizações sociais, os políticos e servidores públicos que ficam no núcleo estratégico do Estado (nesse caso, na direção do Ministério da Saúde e das secretarias estaduais e municipais de Saúde) vêem seu poder aumentar, porque logram seus objetivos de fornecer atendimento de saúde de boa qualidade a um custo razoavelmente baixo. Quem sabe agora, diante do desastre da nova municipalização dos hospitais do Rio de Janeiro, o governo federal volte a trabalhar com a idéia das organizações sociais. Vamos esperar.
Entrevista:O Estado inteligente
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