Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 22, 2005

Jornal O Globo -Luiz Garcia:A nova guerra do macaco

O governo Bush é, em definição isenta (ou generosa), extremamente conservador. Alguns diriam reacionário, lembrando que o conservador fica onde está e o reacionário anda para trás — e essa seria a mais adequada definição de diversas iniciativas e posições, assumidas, estimuladas ou inspiradas pelos atuais pensadores da Casa Branca.

O reacionarismo na América de Bush tem faces variadas e talvez a mais curiosa e ousada seja a cruzada já iniciada para desmoralizar aquele velho inimigo de antigos valores religiosos: Charles Darwin e sua diabólica teoria da evolução das espécies. Na versão atual, mais sofisticada, não se trata de mandar para a cadeia quem pregar a teoria evolucionista, como foi tentado, 80 anos atrás, no famoso julgamento dos macacos. Era o processo criminal que visava a mandar para a cadeia, no Tennessee, um professor que ensinava que homem e macaco nasceram da mesma árvore. Para os distraídos, lembremos que Darwin não sustentava que o homem descende dos símios. Apenas que ambos percorreram caminhos parecidos, mas diferentes, do processo evolutivo.

Do processo no Tennessee (quem não viu o filme, saiba que o professor foi absolvido) para cá, a discussão ficou menos radical. O que se pretende hoje — cada dia com mais força no clima ideológico bushiano — é introduzir nas escolas americanas a teoria de que o evolucionismo, além de não ser teoria comprovada, contém falhas numerosas e comete o pecado mortal de negar a presença divina na criação do homem. Como disse outro dia um professor universitário de Missouri, é arrogância negar a iniciativa divina na criação do homem. Ele tem razão, mas está jogando pedras no cachorro errado: afirmar que o homem é o produto da evolução das espécies não significa negar a presença divina no processo, e sim afirmar, em cima de uma tonelada de provas, que o Senhor escolheu este e não outro caminho para nos entregar o domínio do planeta.

A moderna guerra ao evolucionismo está sendo travada no Executivo e no Legislativo de 19 estados americanos e aumenta de intensidade a cada dia. Já envolve debates em administrações escolares e até processos na Justiça. Por enquanto, menos se fala em derrubar a teoria evolucionista do que em discutir o que seriam as suas falhas evidentes. É atitude aparentemente cautelosa — mas não muito diferente de se abrir um debate sobre a Lei da Gravidade.

O maior risco é de que a nova guerra ao macaco mostre perigosa afinidade com políticas oficiais de Washington em relação ao respeito pela ciência e o que ela nos ensina. Por exemplo, no que se refere à poluição atmosférica. Convenhamos, a cruzada antievolucionista tem a cara e o jeito do presidente americano. Talvez não seja por acaso que ela revele o mesmo desprezo pelas evidências científicas demonstrado por Washington ao rejeitar o Protocolo de Kioto. Vai-se ver, o atual governo do maior poluidor do planeta acredita — com a fé dos verdadeiros crentes — que o aquecimento da atmosfera é um ato divino, que os homens devem aceitar sem tossir e com paciência de Jó.

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