Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, março 23, 2005

O GLOBO Merval Pereira Poder político

A chave para o sucesso da reforma ministerial não está nem no tal “choque de gestão”, com que se quer justificar a saída de algum ministro inepto ou a entrada de alguém mais polêmico, nem na eventual formação de uma coalizão partidária mais sólida, ambas questões fundamentais para a viabilização de uma campanha potencialmente vitoriosa de reeleição em 2006.

O que vai tornar possível que ambas se realizem é a coordenação política do governo, que está em discussão desde que o chefe da Casa Civil, José Dirceu, deixou-a para exercer a coordenação das ações governamentais.

Ficou na História que Dirceu perdeu a coordenação política quando o caso Waldomiro estourou em sua cara, e como em política o que vale é a versão, Dirceu carrega até hoje esse estigma, quando sua saída da coordenação política foi decidida muito antes do caso Waldomiro e, hoje o presidente Lula está certo de que foi uma decisão equivocada.

Convencido de que não poderia continuar acumulando as duas funções, Dirceu propôs ao presidente Lula dividir sua pasta. Como o despreendimento não é uma das características de Dirceu, é claro que ele não estava querendo abrir mão de parcela do poder, apenas queria um auxiliar mais graduado trabalhando a seu lado, provavelmente na coordenação administrativa do governo, e não na coordenação política.

Os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e o da Comunicação de Governo, Luiz Gushiken, convenceram o presidente Lula que Dirceu era mais importante na administração. Não se sabe exatamente com que intenção, os dois trabalharam para tirar Dirceu da coordenação política e foram vitoriosos. Com o escândalo Waldomiro, ficou mais fácil ainda retirar o poder de fogo do até então todo-poderoso “capitão do time” de Lula.

O fato é que a coordenação política provou-se um posto estratégico, que não foi bem exercido pelo atual titular, Aldo Rebelo. Seja porque o governo nunca teve uma feição multipartidária, seja porque os resquícios de poder que ainda possuía foram usados por Dirceu para boicotar o trabalho de Aldo Rebelo. Mesmo desgastado, Dirceu continuou sendo um canal político importante para muitos líderes partidários, que não viam em Aldo Rebelo o interlocutor capaz de entregar o que prometia.

Também o PT passou a contabilizar como perda política a presença de um não-petista na coordenação, o que leva aos dias de hoje, quando petistas e aliados querem que a coordenação seja entregue a um político de expressão dentro do esquema de poder petista, que tenha trânsito livre no Palácio do Planalto e possa negociar adesões e compensações com a garantia de cumprir as promessas.

Por isso as pressões continuam muito fortes no sentido de dar ao ministro José Dirceu novamente a coordenação política do governo, que já está exercendo na prática nos últimos dias. Há quem considere, porém, que setores da sociedade resistem à sua figura política, ligada a atitudes radicais. E também quem o veja como adversário da política econômica. Sua volta formal ao poder político poderia ser interpretada como enfraquecimento de Palocci, o que preocupa Lula. Foi exatamente essa preocupação que fez com que o presidente aceitasse nomear logo o deputado Paulo Bernardo, uma escolha de Palocci, para o Ministério do Planejamento.

Não é à toa que os políticos aliados começam a mostrar suas garras a todo instante, colocando o governo em uma armadilha que ele mesmo montou quando tentou ampliar a base aliada de maneira irrestrita, se enredando em negociações cada vez mais amesquinhadas e personalizadas. Quando o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, sente-se em condições de “peitar” o Palácio do Planalto de maneira pública e acintosa, alguma coisa está errada no sistema de pesos e contrapesos que deveria nortear a relação entre os poderes da República.

Caído de pára-quedas no comando do Legislativo, fruto de uma deterioração dos valores políticos, Severino se lambuza com o melado que nunca havia comido antes. Como do outro lado há também os que andam se lambuzando com o melado do poder, a mistura explosiva torna esse diálogo cada vez mais inimaginável. O governo vem cedendo às pressões de Severino Cavalcanti com muita facilidade, e o caso da indicação de seu protegido Ciro Nogueira para representante do PP no Ministério é exemplar.

Cheio de processos para responder, esse deputado piauiense nunca foi o candidato dos sonhos do Palácio do Planalto, que preferia o antigo líder Pedro Henry e chegou a sondar outras possibilidades, até mesmo o embaixador José Botafogo Gonçalves, muito ligado ao deputado Delfim Netto. Severino resistiu a todas as investidas, mantendo, às custas de seu novo poder, a indicação de Nogueira, até a ameaça pública de rompimento.

A mesma rebeldia marca o PL. O vice José Alencar, ameaçado de perder o cargo de vice-presidente para o PMDB na composição da chapa de reeleição, e também de não ser apoiado como candidato ao governo de Minas, começa a espernear em público. O caso de Minas é interessante e mostra mais uma vez como será importante o cargo de coordenador político nos próximos anos, sobretudo para formar os palanques estaduais. Para não criar problemas para a reeleição de Aécio em Minas, o PT pode querer disputar a eleição para o governo com um candidato menos competitivo que o vice José Alencar.

Difícil acreditar que partidos tão volúveis da base, como o PP, o PTB e o PL, e até mesmo o PMDB, eternamente dividido, possam dar garantias de que não mudarão de posição nos próximos dois anos. Mas sem um coordenador político forte, o trabalho do Palácio do Planalto ficará mais difícil.

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