NOVA YORK Se há um setor em que o governo Lula pode se jactar de estar cumprindo as promessas de campanha é o da expansão do microcrédito. Como definiu ontem o secretário-geral da Presidência, ministro Luiz Dulci, em uma palestra aqui em Nova York, houve um “choque de crédito popular” nos últimos tempos no país. As conseqüências, porém, foram contraditórias: não apenas um crescimento do consumo interno, marca da expansão de 5,2% do PIB no ano passado, mas também a necessidade de altas taxas de juros para conter a inflação.
Segundo os especialistas, o crédito ao consumidor teve um aumento real de 14%, especialmente devido ao desconto em folha de pagamentos, que permitiu taxas mais baratas com a garantia do desconto direto.
O receio de alguns analistas é de que, a médio prazo, a inadimplência nesse tipo de empréstimo cresça muito e os trabalhadores comecem a procurar a Justiça do Trabalho contra o confisco do salário, criando um impasse jurídico que pode ter conseqüências financeiras graves.
Outra vertente desse mesmo setor, em que o governo está entrando firme, é o de remessas de dinheiro de imigrantes. Em todo o mundo as remessas de trabalhadores para seus países de origem transformaram-se em fontes estáveis de financiamento, e constituem importante fonte de poupança interna. Têm ainda um papel de proteção social e equilíbrio, pois os imigrantes costumam mandar mais dinheiro em tempos em que seus países de origem estão em crise.
Se bem canalizadas, essas remessas podem se transformar em verdadeiras redes internacionais de proteção social. O montante total de remessas de dinheiro em todo o mundo vem crescendo nas últimas décadas. Em 1980, as remessas chegaram a US$ 15 bilhões, enquanto em 2002 totalizaram US$ 80 bilhões. Estimativas conservadoras indicam que hoje esse fluxo já ultrapassou a cifra dos US$ 100 bilhões por ano. Os brasileiros foram responsáveis por US$ 5,8 bilhões no ano passado, sendo que os que vivem nos Estados Unidos enviaram US$ 1,9 bilhão, e os dekasseguis — brasileiros descendentes de japoneses — US$ 2,2 bilhões.
Esse dinheiro está sendo alvo de um grande estudo do Grupo Técnico sobre Mecanismos Inovadores de Financiamento, formado por Brasil, Chile, França e Espanha, dentro do Programa da ONU Ação contra a Fome e a Pobreza, inspirado na campanha internacional do presidente Lula. Na próxima semana, o presidente da Caixa Econômica, Jorge Matoso, assina em Nova York, na sede da ONU, um convênio com o Banco Comercial Português para atender a brasileiros residentes nos Estados Unidos e Canadá, com uma taxa de 2,52%, bem abaixo da média do mercado internacional, que é de 8,5%.
É um passo importante, pois os países que mais complicam o procedimento de envio de dinheiro do exterior, pela burocracia, e altas taxas, são Brasil e Nicarágua. Por isso, cerca de 90% das remessas entram no Brasil através de casas de câmbio, sem que haja um controle do Banco Central. A estimativa do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) é de que existem, pelo menos um milhão de brasileiros nos EUA, com uma média de remessas que varia de US$ 300 a US$ 350 per capita por mês. Só as remessas dos Estados Unidos podem ser, portanto, mais que o dobro do que é registrado oficialmente, entre US$ 3,5 bilhões a US$ 4 bilhões por ano.
Há cinco anos, quando a concorrência era ainda mais fraca que hoje, as taxas de transferência chegaram a ser de 20% . Hoje, estão em média em 8%, mas continuam caras, por falta de concorrência. Mas baratear as taxas não é suficiente, como mostra o estudo da ONU. Essas remessas podem se transformar em fontes importantes de financiamento de microcrédito, como já acontece em outros países. Segundo o estudo do grupo de trabalho da ONU, no México, por exemplo, um quinto do capital investido em microempresas provêm de remessas dos trabalhadores nos Estados Unidos.
Cada dólar que entra dos imigrantes contribui para aumentar o PIB mexicano entre US$ 2,69 a US$ 3,17. Recentes estudos em 74 países em desenvolvimento mostram que um aumento médio de 10% nas remessas pode levar à redução de 1,6% no número de pessoas que vive com menos de um dólar por dia. Uma das sugestões do grupo de trabalho da ONU é o aperfeiçoamento dos sistemas de crédito e poupança popular, canalizando as remessas, que podem gerar microcréditos.
Os latino-americanos residentes no exterior enviaram a seus países U$ 32 bilhões em 2002, um crescimento de 17% comparado com o ano anterior. Os países com tarifas mais altas são Cuba, Jamaica, México, República Dominicana e Colômbia. Para reduzir esses custos, o BID já trabalha, há cerca de três anos, com um sistema de cartão de crédito especial para imigrantes, que a Caixa Econômica já adota. As transações eletrônicas, além de baratear os custos, permitem que quem envia o dinheiro controle as retiradas. E os bancos, que recebem o dinheiro, podem oferecer serviços de crédito, estimular a tomada de empréstimos, e aplicar o dinheiro no mercado internacional.
Dos 32 bilhões de dólares que os emigrantes enviaram para a América Latina, cerca de U$ 4 bilhões desapareceram no caminho, em gastos de remessa e câmbio, calcula o BID. Western Union, Money Graw and Thomas Cook são as operadoras que respondem por 70% das remessas dos Estados Unidos para a América Latina. Há ainda métodos informais, com documentação escassa que permite o desvio do dinheiro. E ainda 17% de todas as transferências para a América Latina são feitas ao portador, geralmente através de correios, sendo que na África esse índice pode chegar a 50%.
Entrevista:O Estado inteligente
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