Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 26, 2005

VEJA on-line-Diogo Mainardi:Não tente inventar

"A gente pode ser primitivo, mas musical
não é. A música popular brasileira se resume
a meia dúzia de sexagenários que continua
a se arrastar pelos palcos, repetindo
uma batida de quarenta anos atrás"


O DVD de Xuxa Só para Baixinhos, volume 4, é de 2003. Tem 21 números musicais. Até hoje não consegui ir além do oitavo, Ele É o Txutxucão. Quando o Txutxucão aparece na tela, meu filho aperta imediatamente o botão do controle remoto do aparelho de DVD e volta para a faixa inicial, Dirigindo o Meu Carro. Meu filho não gosta do Txutxucão. Em compensação, gosta muito do Teddy, protagonista da canção Nadando com o Teddy. Txutxucão é um homem fantasiado de cachorro. Teddy é um homem fantasiado de polvo. Ambos foram criados pelo grupo musical infantil australiano The Wiggles. Txutxucão é a tradução de Wags. Teddy é a versão perfeitamente abrasileirada de Henry.

Xuxa tem razão. Por mais que se afirme o contrário, o brasileiro não leva jeito para a música. Melhor fazer o que ela faz, adaptando para o mercado nacional melodias americanas ou australianas, do conhecido Woody Guthrie ao desconhecido Ralph Covert. A propalada musicalidade do brasileiro é um engodo. É fruto daquela visão colonialista de que todos os povos primitivos são musicais. Não é verdade. A gente pode ser primitivo, mas musical não é. A música popular brasileira se resume a meia dúzia de sexagenários que continua a se arrastar pelos palcos, repetindo uma batida de quarenta anos atrás. Xuxa é superior a eles em tudo. Tem um raciocínio claro e direto: "Eu vou à praia dirigindo o meu carro / Sinal vermelho: parou". A MPB enfrenta a mesma questão de maneira demagógica e pleonástica: "Enquanto os homens exercem seus podres poderes / Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos / E perdem os verdes, somos uns boçais". Xuxa é prática e determinada. Acredita que aulas de psicomotricidade são a verdadeira solução para o país: "Mão na cabeça / Mão na cintura / Um pé na frente / Outro atrás". A MPB não oferece solução alguma. Perde-se no dramalhão e no fatalismo da descoordenação motora: "E tropeçou no céu como se fosse um bêbado / E flutuou no ar como se fosse um pássaro / E se acabou no chão feito um pacote flácido".

A autora das versões brasileiras das canções de Só para Baixinhos, volume 4, é Vanessa Alves. Embora seja uma das maiores vendedoras de discos do país, é praticamente ignorada pelo público. Tentei colher informações a seu respeito. É gaúcha. Tem 32 anos. Seu apelido é Vavá. Aparece no principal site cinematográfico americano com o crédito do personagem Rato Rosa, do segundo volume de Só para Baixinhos. Aparece também como protagonista dos filmes As Vigaristas do Sexo, Vadias pelo Prazer e Curral de Mulheres, mas se trata de um evidente caso de homonímia. Como todos os grandes nomes da música popular brasileira, Vanessa Alves não tem formação musical. Fez turismo e comunicação social na Universidade Estácio de Sá. Completou o curso de língua inglesa do Brasas. É o que lhe permite traduzir sem dificuldade as canções estrangeiras selecionadas por Xuxa. Tem medo de avião, mas ama a Califórnia. Descobriu que tinha aptidão musical ao parodiar canções de Claudinho e Buchecha. A despretensão artística de Vanessa Alves é um exemplo para a cultura brasileira. Aliás, não só para a cultura: para o país inteiro. Não tente inventar. O melhor que podemos fazer é macaquear.

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