NOVA YORK. O secretário-geral da Presidência, ministro Luiz Dulci, retorna de uma viagem de uma semana pelos Estados Unidos com pelo menos uma decisão: trabalhar para que seja criado um órgão para cuidar especialmente dos brasileiros que estão no exterior. Ele, que no governo cuida da relação com a sociedade civil, teve contato com representantes das comunidades brasileiras em Boston e na Califórnia, e ficou espantado com o volume de reivindicações que só o governo brasileiro pode atender: por exemplo, os imigrantes querem que seus filhos sejam alfabetizados também em português e muitos querem continuar os estudos.
O volume de dinheiro que esses imigrantes enviam para o Brasil — no ano passado, o total de mais de US$ 5 bilhões equiparou-se à exportação de soja — e o número de brasileiros no exterior — só nos Estados Unidos são mais de um milhão de brasileiros — fazem com que o ministro Dulci considere imprescindível uma atuação mais organizada do governo brasileiro nessas comunidades, num trabalho conjunto com vários ministérios, para cuidar de problemas legais e de preservação da cultura brasileira, por exemplo.
Os estudos sobre remessas de dinheiro de imigrantes, feitos pelo grupo técnico formado na ONU por Brasil, Chile, Espanha e França para analisar mecanismos inovadores para financiamento de ações contra a fome e a pobreza, indicam que somente quatro em cada dez latino-americanos imigrantes nos Estados Unidos, e dois em cada dez na América Latina, têm contas em bancos. Uma das sugestões mais enfatizadas foi a de estimular o uso de bancos para a remessa do dinheiro.
Em muitas regiões, como em partes da Ásia e da África, esse trabalho tem que ser aprofundado porque o sistema bancário simplesmente não existe, ou é ineficiente. Já na América Latina, com um sistema bancário eficiente e informatizado como no Brasil, esse programa depende mais do estímulo à competição entre os bancos e agências de remessa de dinheiro.
A maioria dos imigrantes está em completa ilegalidade, mas não é proibida de enviar dinheiro legalmente por bancos. Por receio, no entanto, preferem procurar casas de câmbio. E os abusos por parte de pequenos escritórios acontecem freqüentemente. Eles cobram taxas exorbitantes pelas remessas, confiando que as pessoas não se queixarão por causa da situação de ilegalidade.
Segundo o documento da ONU, os países em desenvolvimento são os principais beneficiários dessas remessas, recebendo 65% delas. Segundo as estatísticas, esse dinheiro é a segunda maior fonte de divisas nos países em desenvolvimento, perdendo apenas para investimentos diretos. Em 2002, as remessas representaram 1,3% do PIB dos países em desenvolvimento, sendo que em alguns países da América Central e do Sul como Haiti, Nicarágua, El Salvador, Jamaica, República Dominicana e Guiana, as remessas chegam a representar 10% do PIB.
Elas são concentradas num grupo de 20 países, que recebem 80% do total de remessas mundiais. Os maiores receptadores são México, Índia e Filipinas. E as maiores fontes desses recursos são os Estados Unidos, a Arábia Saudita e a Alemanha. Um plano de ação do G-8, que reúne os países mais ricos do mundo (Estados Unidos, Japão, França, Inglaterra, Alemanha, Itália e Canadá) mais a Rússia, contempla iniciativas como estimular a competição no setor financeiro; cooperação entre as empresas de envio de dinheiro e instituições de financiamento locais; estímulo ao uso produtivo do dinheiro, com a criação de fundos de investimentos.
A França está desenvolvendo financiamentos de projetos através de associações de imigrantes nas regiões de onde eles provêem, em acordo com seus países de origem. A Espanha tem programas de incentivos que promovem a maior participação de bancos e instituições financeiras, com o objetivo de redução das taxas de remessa. Também convênios com os Correios, que atingem áreas remotas do país, estão sendo feitos.
A Alemanha está trabalhando em conjunto com países receptadores dessas remessas, em especial a Turquia, para reduzir os custos. Saíram no ano passado da Alemanha 3,18 bilhões de euros, sendo que a Turquia foi a maior beneficiária, com 0,88 bilhão. Entre as ações destacadas pelo estudo da ONU está a criação, pela Caixa Econômica Federal, de um serviço de abertura de conta pela internet. Usando um cartão de crédito, o trabalhador brasileiro pode mandar até US$ 10 mil a custos muito baixos.
Uma iniciativa do Banco do Brasil, que foi copiada por outros países, também é destacada no estudo: o lançamento em 2001 de US$ 300 milhões de bônus de cinco anos financiados por futuras remessas de yen de trabalhadores brasileiros no Japão. Esses bônus foram classificados pela agência Standard and Poor como BBB+, classificação mais alta do que a do próprio país na ocasião do lançamento. Exatamente porque as remessas do Japão, acima de US$ 2 bilhões anuais, são garantias seguras.
Bancos em El Salvador, México, Panamá e Turquia também fizeram uso das remessas para conseguir financiamento no mercado internacional, e o estudo da ONU sugere que esse tipo de mecanismo seja mais utilizado. No mesmo período, os Estados Unidos fizeram um programa de cooperação com o México que reduziu em cerca de 60% os custos das remessas dos trabalhadores mexicanos, diz o documento. O programa prevê um sistema de identificação consular que permite aos trabalhadores, mesmo ilegais, abrir contas em bancos americanos. Outro programa, desta vez da Usaid, promove fundos de investimentos de imigrantes para financiar projetos comunitários nos países de origem como o Haiti, México e El Salvador. Esses programas ajudam a construir escolas, e financiam projetos de infra-estrutura como estradas e esgotos.
Entrevista:O Estado inteligente
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