Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 31, 2005

O DIA Online

Linha de (má) produção
Dora Kramer
Embora tenha sido peculiar no procedimento – com o Governo tentando derrotar a si mesmo –, o processo de votação da Medida Provisória 232 foi previsível no tocante ao resultado político desastroso.

Manteve em alta o ritmo da linha de produção de dissabores em série que o Palácio do Planalto parece ter inaugurado de um ano para cá.

O Governo recusou-se a reconhecer a óbvia resistência social à MP que corrigia o Imposto de Renda da pessoa física e aumentava tributos para pessoas jurídicas e, assim, conseguiu a um só tempo indispor pela primeira vez o presidente Luiz Inácio da Silva com a sociedade, expor o Governo a uma situação de minoria no Congresso e exibir os partidos aliados em pleno exercício de pusilanimidade explícita.

Sem coragem de defender a aprovação da medida provisória, sem condições para argumentar em favor de sua derrubada, desprovidos de convicção para enfrentar com clareza a opinião pública e carentes de disposição ao suicídio, os deputados submeteram-se a um jogo de aparências absolutamente enganosas e, portanto, indefensáveis.

Ao se verem sem votos até para derrotar a impopular medida provisória, os governistas continuaram protagonizando cenas nunca dantes vistas, juntas, num único espetáculo: lançaram mão de um instrumento regimental típico das minorias (a obstrução) e terminaram contabilizando como vitória o adiamento da sessão por falta de quorum.

Convenhamos, é pouquíssimo para quem detém o poder, conta com uma base parlamentar não-ideológica permeável à sedução dos instrumentos daquele mesmo poder e até outro dia considerava-se seguro se si no jogo político-partidário-parlamentar ao ponto de escolher um candidato à presidência da Câmara pautado exclusivamente nas conveniências e circunstâncias do PT.

O deputado Luiz Eduardo Greenhalgh desagradava à maioria dos partidos aliados ao Governo, mas, como era querido pela esquerda do PT, foi escolhido candidato como forma de tentar reaproximar o Governo de sua base social de origem. Ou seja, ignorou o colégio em que disputava, perdeu a eleição e o controle sobre a pauta da Câmara.

Agora estão patentes, pelo menos em relação ao Congresso, duas impossibilidades.

O Governo não tem base confiável para ganhar votações difíceis nem por maioria simples. Tornou-se impossível também dar continuidade ao jogo duplo pelo qual o Governo, de um lado, vê atendidos seus interesses no Parlamento e, de outro, o presidente da República faz ligação direta com a sociedade como se a administração, os ministros, o pragmatismo, o fisiologismo, as razões práticas de Governo (entre elas o aumento de impostos) e a figura de Lula fossem coisas diferentes.

Desta vez, o presidente comprou uma briga diretamente com o eleitorado. Tentou fazer uma manobra esperta dentro daquela lógica de ficar bem com a sociedade e deixar ao Governo – no caso à área econômica – o ônus das dificuldades, mas não se saiu bem.

No primeiro lance, anunciou a correção da tabela do Imposto de Renda como forma de se reconciliar com “a classe média”, cujo desagrado teria sido expresso na eleição municipal.

Quando o anúncio virou medida provisória, seguiu para o Congresso na virada do ano acrescida do aumento dos impostos às pessoas jurídicas na forma de contrabando, sem alarde nem verificação prévia sobre a possibilidade de aprovação.

Se, como alega hoje o Governo, houve incompreensão quando à justiça desta última “correção”, pois atingira só aqueles que, por permissividade da lei estavam subtraindo recursos ao Erário, não teria sido necessário embuti-la na MP, digamos assim, popular, de correção da tabela do Imposto de Renda.

Agora, ante à confusão armada, há quem se pergunte no Governo onde é que está o erro, porque, afinal de contas, não se conseguiu vencer a batalha da comunicação e convencer a sociedade das boas intenções governistas.

A resposta não é assim tão difícil. Está exatamente na tentativa de se fazer uma manobra esperta. De deixar Lula em primeiro plano exibindo o lado bom, enquanto Antonio Palocci, do bastidor, manipula o leme daquilo que é ruim e, aprendeu com eficácia o PT, como tal deve ser escondido.

Nem sempre dá certo, e desta vez não deu.

Bomba-relógio

Desde a suspensão da reforma ministerial, o Governo estuda com cuidado qual a melhor maneira de lidar com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti.

As opiniões a respeito dele no Palácio do Planalto mudaram bastante neste mês e meio em que ocupa o cargo. De início, foi percebido como uma figura folclórica, razoavelmente fácil de ser manipulada.

Ao preço de uns cargos e outros tantos agrados, imaginava-se poder controlar Severino. Ou, na pior das hipóteses, fazer dele um contraponto pelo qual suas exorbitâncias despertassem rejeição popular e carreasse apoios ao Palácio do Planalto.

Agora já começa a prevalecer a convicção de que Severino, na sua primariedade, é incontrolável, imprevisível, um perigo, pois pode perder, mas também ganhar e impor derrotas.

Se pudesse escolher entre tratá-lo no confronto ou esvaziar-lhe o poder de fato, o Planalto ficaria com a segunda opção.

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