Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 29, 2005

no mínimo- Augusto Nunes:A gastança viaja no trem da anistia



28.03.2005 | A Receita Federal vem estabelecendo, quase todos os meses, recordes notáveis na arrecadação de impostos, tributos, taxas e outros penduricalhos. A obesidade começa a tornar-se obscena. Mas o processo de engorda promete ganhar mais velocidade, porque o mamute federal é empresa que não gera lucro, só despesas. Quem paga a conta (todas as contas) é o povo, sobretudo a indefesa classe média.

A gastança corre solta, rombos e ralos se multiplicam por todos os cantos administrados pela União. Todos os dias, relatos dando conta de desperdícios escabrosos consomem páginas de jornais, pencas de minutos nos noticiários do rádio ou da TV. E a tudo assistimos bestificados, inermes. Não provocaram reações de espanto visíveis, por exemplo, recentes reportagens da “Folha de S. Paulo” sobre a interminável orgia organizada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

Desta vez os protagonistas do escândalo são ex-funcionários da Petrobrás, embora não custe reiterar que indenizações milionárias se têm espalhado por todas as áreas. Só o jornalista Dirceu de Castro, personagem da novela “Senhora do Destino”, negou-se a encarnar o papel de vítima de perseguições políticas para tomar dinheiro da Viúva. Ficcionistas da TV são muito inventivos. Na vida real, o assalto coletivo prossegue no ritmo animado de sempre.

Voltemos às revelações arroladas pela “Folha”. Somados ex-servidores públicos e empregados de empresas privadas, foram indenizados até fevereiro 3.823 filhos da sorte. Desse lote fazem parte 344 petroleiros. A indenização média ficou perto de R$ 313 mil, fora a dinheirama anexada por espertezas jurídicas. Como a comissão age nas sombras (seguindo a metodologia dos porões da ditadura), é difícil o acesso à papelada. Mas alguns números e casos bastam para montar-se o resumo da ópera absurda.

Foram comprovados 29 casos de pagamentos retroativos superiores a R$ 1 milhão. Nesse grupo abençoado figuram 18 “ex-petroleiros”. Os próprios premiados admitem que a coisa ultrapassou os limites da razão. “Se o governo pagar com mais rapidez, os valores podem ser reduzidos”, diz Antônio Fontes, vice-presidente da Associação Nacional dos Anistiados da Petrobrás, a Conape. “Poderíamos chegar a um acerto bem menor do que se propõe. Não queremos criar rombos.” Outros tratam de ampliar sem constrangimentos o tamanho do buraco.

Os cálculos das indenizações são feitos pela própria Petrobrás. Na Comissão de Anistia, quem acompanha os pleitos é o ex-petroleiro Luiz Carlos Natal, ele próprio contemplado com cerca de R$ 1 milhão. Hoje na chefia do gabinete do deputado (e advogado de anistiados) Luiz Eduardo Greenhalgh, Natal recusou tratar do assunto com repórteres da “Folha”, alegando “problemas de saúde”. Problemas financeiros, esses decididamente não tem.

A farra da anistia tem distribuído boladas à esquerda e à direita. A lista de beneficiários inclui pelo menos dois nomes surpreendentes: o executivo Frederico Birchal de Magalhães Gomes, 64 anos, e o economista Fernando Talma Sarmento Sampaio, 66, ambos demitidos da Petrobrás quando ainda jovens. Apesar desse tropeço, conseguiram construir um bonito currículo a serviço da nação.

Entre 1967 e 1969, no governo do general Arthur da Costa e Silva, Magalhães Gomes trabalhou nos planos de expansão da rede de energia elétrica e em pesquisas vinculadas ao programa nuclear do regime militar. Mas prevaleceu o episódio do petroleiro estagiário que perdeu o emprego supostamente por motivos políticos. E o executivo vai embolsar R$ 1,2 milhão. É a mesma quantia destinada ao economista Sampaio.

Ele foi secretário estadual do governo da Bahia entre 1971 e 1974. Também nos tempos mais agudos da repressão política, ocupou um cargo muito bem remunerado na cúpula do governo do Rio. Mas ficou estabelecido que se trata de um ex-perseguido, e assim merecedor de reparação milionária.

O advogado Marcelo Lavanére Wanderley, presidente da Comissão, sonega à imprensa o acesso ao conteúdo dos processos. Tampouco lhe caberia, argumenta, conferir a pertinência das reivindicações. Ele é apenas o maquinista do trem pagador. Nisso é muito bom. Os passageiros aglomerados nos vagões viajam felizes, porque o apito não pára de soar.

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