Entrevista:O Estado inteligente

sábado, março 19, 2005

JB Online - Augusto Nunes:Não seremos felizes tão cedo



A primeira metade do mandato de Lula, como não se cansam de informar os mandarins do PT, foi consumida no esforço para lidar com a “herança maldita” legada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A política econômica pouco mudou, mas a favorável conjunção dos astros, sublinhada pela ausência de crises internacionais, tem provocado efeitos positivos na economia.

Tais efeitos, por enquanto, permanecem confinados em números e estatísticas: um passeio pelas ruas e pelos campos do país exibe paisagens desoladoras, fruto de problemas sociais endêmicos. Mas Lula está feliz. “Muitos tentaram atravessar o Canal da Mancha, poucos conseguiram”, declarou há dias. “Nós conseguimos. Estamos pisando em terra firme”.

Nós e milhares de indivíduos que cruzam todos os dias a ponte rodoferroviária entre a Inglaterra e a França. É possível que Lula desconheça a existência da ponte. Ele ignora muitas coisas. Parece ignorar, por exemplo, que governar é escolher – escolher com a rapidez possível e, de preferência, corretamente. O presidente pensa na reforma ministerial desde setembro. Só agora conseguiu concluí-la.

As escolhas anunciadas não estimulam a esperança de que, liberada da “herança maldita”, a Era Lula enfim tratará de cumprir as promessas de campanha, e promover mudanças capazes de desenhar o Brasil vislumbrado na retórica eleitoral. As indicações não levaram em conta critérios vigentes em nações civilizadas, como competência e conhecimento da área. Prevaleceram os manuais da conveniência política e da barganha fisiológica. A reforma ministerial não foi feita para melhorar o país, mas para reeleger o presidente.

O senador Romero Jucá, figurão do governo FH, bandeou-se do PSDB para o PMDB e acabou premiado com a Previdência Social. Tem contas a ajustar com o Fisco, mas essas miudezas não impedem ninguém de instalar- se num gabinete desocupado pelo senador Amir Lando.

Indicado pelo onipresente Severino Cavalcanti, o deputado Ciro Nogueira, do PP piauiense, pousou no Ministério das Comunicações horas depois de ter contado a jornalistas que colava no tempo de estudante. E dirigia sem carteira de habilitação.

E daí?, dirá Severino, protetor confesso dos motoristas infratores e cachaceiros brigões de João Alfredo, terra natal do presidente da Câmara. A folha corrida do escolhido também registra a mania de nomear parentes. E quem faz isso?, dirá o padrinho de Ciro Nogueira.

Outra noviça no primeiro escalão, Roseana Sarney deixará o PFL para cuidar do Ministério das Cidades. É filha do ex-presidente José Sarney. Governou o Maranhão duas vezes. Certamente conhece centenas de cidades. É preciso mais?

“Eu sou o técnico do time”, vive proclamando Lula. Quem formula táticas é o Capitão José Dirceu. O chefe da Casa Civil também participa do Conselho dos Altíssimos Companheiros, que auxilia o técnico a tomar decisões complexas demais para um Lula só. De questões econômicas se encarregam o médico Antonio Palocci e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. O resto do time ajuda na marcação. De vez em quando, até consegue fazer um gol.

A contemplação do retrato do novo Ministério exibe um conjunto de quinta categoria, incapaz de traçar os caminhos que o Brasil deveria percorrer em direção à modernidade. (Não que as equipes de governos anteriores tenham impressionado pela qualidade, mas esta é de chorar). Ainda assim, é muito provável que Lula consiga reeleger-se, talvez com facilidade. Descolado do velho PT, mantém bons índices de popularidade. É simpático, cativante, sedutor. Os ricos têm acumulado lucros deslumbrantes no seu governo, os pobres crêem na ocorrência de mudanças. É difícil aceitar que esse filho do Nordeste já não se lembre do sofrimento de sua gente. Faltam candidatos à oposição. Ou talvez o destino apenas nos tenha condenado não ser felizes tão cedo.

O duelo entre o Leão do Norte e o Leão do Fisco

Afagado por empresários, o deputado Severino Cavalcanti, presidente da Câmara, promete engavetar todos os tributos malandramente introduzidos na Medida Provisória 232. O governo acha que o Leão do Fisco acabará amansando o nosso Leão do Norte, já premiado com a indicação de um ministro amigo.

Agora, o Planalto tem sugerido mudanças que, se abrandam a tunga armada pela Receita Federal contra alguns setores da economia, passam ao largo dos truques forjados para tomar dinheiro de profissionais liberais.

Quase todas as vítimas são brasileiros da classe média.

Forçados a transformar-se em pessoas jurídicas, para continuar prestando serviços a empresas sangradas pela legislação trabalhista, preparam uma campanha nacional caso o Congresso aprove o aumento dos tributos. Principal palavra de ordem: não reeleja nenhum deputado.

Depois de vistoriar os campos conflagrados, o Cabôco Perguntadô está em dúvida sobre as reais motivações da devastação ocorrida nos hospitais federais do Rio. Teoricamente, houve uma guerra entre o Ministério da Saúde e a prefeitura carioca. Sempre desconfiado, o Cabôco examina outra hipótese: não teria sido uma esperteza urdida do sempre criativo Cesar Maia, destinada a reduzir pela eliminação física a fila de pacientes que não pára de crescer?

Suriname leva taça

No meio de um inflamado improviso, o prefeito de Recife, João Paulo, berrou uma frase da pesada para deixar muito claro que não está no cargo a passeio.

“Não tenho medo e não abro nem para o Suriname!”

Como não há problemas visíveis entre o país vizinho e a capital de Pernambuco, presume-se que o bravo prefeito estava querendo dizer “tsunami” (aquilo que para Lula é “vendaval”).

BNDES inclui na folha craque em carnaval

O presidente do BNDES tem direito a 40 “assessores diretos”. Ocupantes de cargos de confiança, costumam acompanhar na desventura o chefe afastado. Foi assim com o bando que cercava Carlos Lessa, ex-comandante da sigla. Mais afeiçoados ao salário que ao chefe, 28 voltaram logo a seus postos. E voltaram em companhia de uma penca de contratados, colhida nos botes atulhados de náufragos das eleições de outubro.

Entre eles figura um jornalista que assessorava Marta Suplicy até a derrota na batalha da reeleição. O currículo do companheiro foi resumido no jornalzinho da entidade. Item mais vistoso: brilhou na organização do carnaval paulista. O BNDES deve estar planejando algo para o desfile na Sapucaí. Mais explicações, só com o Capitão Dirceu.

Só chega dinheiro à selva se o trem apitar na tela

Enquanto prossegue a montagem da política nacional de transportes – calma, gente boa: Lula chegou lá faz só dois anos –, quem sonha com a recuperação da malha ferroviária deveria pedir ajuda a ficcionistas da TV Globo.

A passagem por Rondônia da equipe escalada para as gravações da minissérie Mad Maria, que rememora a saga da Madeira-Mamoré, provocou efeitos surpreendentes. Para que o trem da selva voltasse apitar na tela, até dinheiro apareceu. De diferentes cofres.

O governo estadual investiu R$ 500 mil (quantia dobrada por contribuições de empresários locais) no esforço para a ressurreição da ferrovia. A locomotiva do título foi restaurada, tratou-se da recuperação de trilhos e equipamentos, abriu-se espaço na floresta.

Também seduzido pelos encantos da TV, o governo federal liberou R$ 570 mil para a reconstrução de dois trechos. É pouco, mas pode ser um caminho: que tal incluir noveleiros nos grupos interministeriais que zelam pelos transportes do Brasil?

Política ambiental é isso

Guerreira solitária, a arqueóloga Niède Guidon tenta há décadas impedir a destruição do Parque Nacional da Serra da Capivara, nos sertões do Piauí. Para a Unesco, trata-se desde 1991 de um Patrimônio da Humanidade. Para a gente do lugar, é só uma terra sem dono, com animais a caçar e grutas sob medida para abrigar os sem-casa.

A foto acima é a perfeita imagem do absurdo: numa gruta enriquecida por pinturas rupestres milenares, todas à espera de estudos, Niède topou com a geladeira abandonada pela família que desistiu de morar ali. A qualquer momento, os predadores poderão decretar a remoção a bala da teimosa arqueóloga. E então o governo federal agirá.

Guerrear por computadores é muito fácil

A contagem foi cuidadosa. O resultado é apavorante. Entre 1º de março e sexta-feira passada, apenas 18 dias, a coluna recebeu 617 mensagens com o mesmo conteúdo, enviadas por alunos de uma única escola, aliados a amigos ou parentes. “A Faculdade Nacional de Direito pede socorro”, eis o título do texto, que denuncia medidas insensatas tomadas pelas autoridades, além de agressões ao bom funcionamento do curso.

Declaro-me solidário com os alunos da faculdade onde estudei, endosso a luta do bravo centro acadêmico. Mas também peço socorro: parem com as mensagens, certamente distribuídas entre dezenas de jornalistas. Esse combate virtual só derruba a paciência dos destinatários. Saiam todos da frente do computador e encarem o inimigo real.

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