Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, março 24, 2005
Jornal O Globo - Merval Pereira:Antes só?
Anda passando pela cabeça do presidente Lula nestes últimos dias tensos, em que ele se consome internamente de desilusão com aliados e petistas na mesma intensidade, governar longe das manobras políticas mesquinhas em que se viu enredado até que o boquirroto do Severino Cavalcanti, dizendo em público o que nem em privado deveria ser ouvido, lhe soltou as amarras. Embora tudo indique que esse venha a ser apenas mais um entre os muitos sonhos que Lula já teve que abandonar, diante da realidade da governabilidade, há setores petistas aproveitando o momento para tentar convencer o presidente de que ele se reelegerá facilmente mesmo sem uma base partidária ampla e, portanto, não precisa fazer concessões a políticos fisiológicos.
O momento não é favorável a quem defende junto a Lula a necessidade de uma ampla coalizão para viabilizar a campanha de reeleição de 2006. Os ouvidos do presidente estão mais abertos aos que, ao contrário, dizem que, com sua popularidade alta, ele será seguido pelos políticos que não vivem sem o poder. A única preocupação de Lula é que o PMDB não tenha candidato próprio à sua sucessão, por isso a decisão de agradar o senador Renan Calheiros e nomear logo Romero Jucá para a Previdência, e a preocupação com Sarney.
Quem está em baixa com o presidente é o senador Aloizio Mercadante, em cuja conta recai a crise da presidência da Câmara. O presidente Lula está desgostoso com os petistas que, pensando apenas em seus futuros, ajudaram a tecer a crise atual.
Mercadante teria inviabilizado a permanência de João Paulo Cunha na presidência da Câmara para não dar fôlego a um eventual adversário na disputa pelo governo paulista, e depois quis colocá-lo na Coordenação Política exatamente com o objetivo de retirá-lo da briga por São Paulo.
Também o episódio da disputa interna no PT pela presidência da Câmara, que resultou em Severino Cavalcanti na cabeça, irrita e desgosta Lula, que disse recentemente que nunca pensou que petistas históricos pudessem colocar a perder um projeto de país por ambições pessoais.
Ao mesmo tempo, aumenta dentro do PT o movimento contra a Articulação, grupo majoritário ligado ao chamado “núcleo duro” do Palácio do Planalto, que comanda o partido e pretende reeleger José Genoino presidente. Os mesmos políticos que, insatisfeitos com os rumos assumidos, tentam convencer o presidente de que ele precisa é fazer um governo cada vez mais petista, em vez de ceder espaço político para a centro-direita, a mesma centro-direita da qual o chefe da Casa Civil, José Dirceu, quer se aproximar para montar os palanques de 2006.
Um dos grupos mais atuantes é o bloco de esquerda, que recentemente lançou o petista histórico Plínio de Arruda Sampaio como candidato de oposição à presidência do PT. O deputado federal Chico Alencar, um dos líderes desse grupo, diz que, “como no velho MDB, estamos precisando de um grupo autêntico” ou, pelo menos, de uma “ala petista do PT”. Esse grupo defende “o socialismo com democracia”, repudia “o carreirismo, o fisiologismo, o clientelismo e a corrupção”, e quer “reatar os vínculos históricos do nosso partido com os movimentos sociais”.
Para se compreender o governo Lula, portanto, é preciso primeiro entender a estrutura organizacional do PT e a cabeça de seus dirigentes. O governo ainda se organiza baseado nessa estrutura e na lógica dos principais dirigentes petistas, a maioria de sindicalistas.
O grupo Articulação está no poder, como esteve sempre no poder no Partido dos Trabalhadores, salvo um pequeno período em que todos os demais grupos se uniram contra ele e tomaram o comando partidário, o que pode vir a acontecer novamente em setembro. Essa mesma luta começa a ser travada novamente agora, e a relação conflitante com os partidos da base aliada, que nada têm a ver com o ideário petista, pode gerar em 2006 um cenário completamente diferente do que se imagina hoje.
Em 2002, a candidatura de Lula tornou-se imbatível diante do desgaste dos oito anos de governo tucano, mas há quem identifique na cisão da base aliada de Fernando Henrique a verdadeira razão da vitória de Lula. Com todo o desgaste do governo tucano, Lula teve que ir ao segundo turno para derrotar José Serra, um candidato considerado “pesado” na época. O “núcleo duro” do governo continua alertando para o perigo que é disputar a reeleição sem uma base partidária organizada, e por isso quer abrir espaços para os demais partidos, no que é contestado por diversos grupos petistas.
As diversas facões em que se divide o PT estão se articulando, cada qual disposta a defender seu espaço. O ministro das Cidades, Olívio Dutra, por exemplo, “tem sete vidas”, na definição de um dirigente petista. Sempre que é posto como substituível, reúne manifestos das mais diversas associações de classe. E agora aparece nas pesquisas do Rio Grande do Sul como o único capaz de enfrentar o governador peemedebista Germano Rigotto em 2006.
A Democracia Socialista (DS), tendência de origem trotskista, tem entre seus integrantes o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, apoiado pelo MST, que acusa o governo de estar usando Rossetto para uma política fundiária mais atrasada que a do governo Fernando Henrique.
A Articulação de Esquerda, cisão da Campo Majoritário, contra o “eleitoralismo” que consideram predominar no Articulação, hoje tem o líder do governo, deputado Arlindo Chinaglia, contra a vontade de José Dirceu. É essa luta de facções que vai determinar os destinos do governo Lula e da reeleição.
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