Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, março 31, 2005

Folha de S.Paulo - JANIO DE FREITAS:Governantes sem correção31/03/2005





Essa medida provisória que contrabandeou um aumento de impostos, conhecida por 232, é uma síntese exemplar do período que se vive no Brasil.
Visto o seu desenrolar de trás para o início, temos a atitude com que o governo do ex-operário recusou a aprovação parcial da MP, pela qual se corrigiriam as deduções do Imposto de Renda. O governo decidiu que só poderia admitir a aprovação parcial -ou seja, de algo que o próprio governo determinou por medida provisória- em troca de um aumento qualquer no imposto, para compensar a perda com a correção das deduções. A alegação é essencialmente falsa.
A correção das deduções é um ato que apenas repõe, se a correção for plena, o que está retirado dos contribuintes além do adequado. Com toda a clareza: é um ato para evitar a usurpação -praticada como "normalidade" anual por Fernando Henrique Cardoso e Pedro Malan. A correção, portanto, não impõe perda ao governo. Limita-se a dar continuidade às proporções regulares.
Se não há perda, muito menos têm cabimento as afirmações falaciosas de que, caso aprovada a correção sem algum aumento compensatório, o governo precisaria fazer "desembolso" e sofreria "hemorragia" de recursos, nas palavras do vice-líder governista Vicente Cascione, deputado integrante da bancada dita trabalhista. O próprio governo aceita e utiliza, inclusive oficialmente, a expressão "correção das deduções". E correção é o ato de corrigir algo que está errado.
Recusa de correção, seja total ou parcial, tem como resultado inevitável o aumento do Imposto de Renda, com a agravante de que, no caso dos assalariados, esse ônus lhes é aplicado sobre o salário antes mesmo de recebê-lo. Aí está retratado, portanto, um aspecto fundamental do que é, na sua natureza e não nos discursos, o governo Lula. E o que é o PT atual.
O propósito público da 232 foi estabelecer os índices da correção devida pelo governo. Nela, porém, foi introduzido um contrabando, disfarçado sob formulação arrevesada: aumento de imposto para os trabalhadores prestadores de serviço e empresas assim definidas. Para dar ao contrabando o arremate à altura, a MP foi editada com data de 31 de dezembro, sob as atenções gerais postas no Ano Bom ("com data", como está dito, porque é admissível a suspeita de que a emissão, para fins oficiais, só tenha sido em 1º de janeiro, contrariando a exigência constitucional de alteração do IR até o ano anterior à sua vigência).
O contrabando não era, pois, a única burla posta na medida assinada por Lula. Ao diminuir o excedente de certos impostos, por um lado, e aumentar outros impostos, o governo anulava a correção devida, burlava-a e aos cidadãos. Não é atitude de governo honesto e de pessoas decentemente respeitáveis. É ato que reflete um determinado tipo de índole.
O aumento de imposto provocou a bem conhecida e indignada reação dos setores sociais que têm voz. O Congresso ouviu-os, como faz quando sente que falam forte, e lá também prosperou a reação. A persistência do governo levou à iminência de sua derrota e ao clima de crise entre Congresso e governo. Logo, também a vasto noticiário e comentários incontáveis. A maior parte, valendo-se de todas as possibilidades para acusar o novo presidente da Câmara pelo sucedido. Os demais, com mínimas exceções, situando a responsabilidade, genericamente, no ato de aumento abusivo do imposto. Como se o ato não tivesse autor, como se não houvesse um responsável por ele no governo, o responsável sempre levado ao pelourinho nos atos de outras pastas.
Foi assim porque o responsável pelo aumento se chama Antonio Palocci. A classe que tem influência para levantar reação ao aumento de impostos é a mesma que está recebendo lucros de altitude e facilidade sem iguais no mundo, por obra da ação governamental de Antonio Palocci, o verdadeiro governo Lula.

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