Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, março 21, 2005

O Globo: Arrombaram a porta para salvar Marta Suplicy-JOSÉ GOMES GRACIOSA

A Medida Provisória 237, que cria exceções na Lei de Responsabilidade Fiscal e beneficia a ex-prefeita Marta Suplicy, lembra a Lei Terezoca. Foi assim que ficou conhecido um decreto-lei de 1942, do então ditador Getúlio Vargas, baixado a pedido de Assis Chateaubriand. Um dos maiores empresários de comunicação do país na época, Chatô conseguiu que a lei fosse modificada para ficar com a guarda de sua filha Tereza, que ele praticamente seqüestrara da mãe, a atriz argentina Cora Acuña. A paródia é inevitável em face da recente medida do governo federal, que poderia ficar conhecida também como Lei Martoca.

Metáforas e ironias à parte, a gravidade da medida caracteriza-se sobretudo pelo seu sentido de exceção, típico de uma ditadura, expediente muito comum naquele Estado Novo e nos tristes anos de chumbo do regime militar. Paradoxo evidente num governo que se apresenta como democrático, escândalo a exigir reação firme dos deputados e senadores comprometidos com o desenvolvimento e modernização da administração pública — vale dizer— com o zelo pela aplicação dos recursos do contribuinte e a defesa da cidadania.

Num momento em que municípios, grandes e pequenos, dos quatro cantos do país fazem esforço hercúleo para assumir e desenvolver uma nova cultura administrativa e orçamentária; num momento em que os tribunais de contas promovem estudos, seminários e implementam mecanismos para o aprimoramento da fiscalização, convergindo com diversos segmentos para consolidar uma nova postura de responsabilidade para a administração da coisa pública — a MP 237 vem para dizer que tudo pode, como também pode não valer, que tudo é, como também pode não ser.

E isso num contexto no qual diversos prefeitos já foram punidos pela LRF, cujos municípios ficaram impedidos de renegociar suas dívidas, uma das sanções (artigo 35) da lei criada em 2000. Como ficam esses municípios que não tiveram força e influência, como a da ex-prefeita de São Paulo? Como fica o município fluminense de Varre-Sai, só para citar um exemplo de cidade pequena que, não por isso, procura, com grandeza e humildade, se adaptar à lei, de uma forma ou de outra?

A brecha aberta pela MP 237 é, na verdade, o arrombamento da porta da coerência, violência inequívoca contra os que já sofreram sanções, violência contra toda a sociedade. Exceção que vira regra, regra que vira exceção, ninguém merece essa desmoralização da lei e da expectativa de um futuro melhor promovida pelo casuísmo de um governo que nunca anunciou em campanha que adotaria medidas típicas de um Estado Novo ou do regime militar. Ninguém merece retrocessos com surpresas do tipo de uma Lei Martoca.
JOSÉ GOMES GRACIOSA é presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro.

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