No meio do debate eleitoral de 2002, um grupo de economistas, de correntes e áreas de especialidades diferentes, reuniu-se, preparou uma lista do que fazer no Brasil e a enviou para todos os candidatos. Na coordenação daquele estudo, a Agenda Perdida, estavam José Alexandre Scheinkman e o atual secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Marcos Lisboa. Na última semana, Scheinkman, de Princeton (EUA), onde dá aulas, reviu alguns pontos.
Ele acha que o mérito daquele estudo foi ser a sistematização dos trabalhos de vários economistas no Brasil e dos consensos formados a partir do Plano Real, que criou o clima adequado para o país. O professor disse que o governo tem acertado muito, mas há ainda uma lista interminável de tarefas. Aqui, o resumo do que ele falou sobre algumas delas.
Política econômica: O governo Lula tem sustentado a estabilidade da moeda, a flutuação do câmbio, o superávit primário e as metas de inflação. Excelente. O governo deu um passo adiante ao iniciar as reformas microeconômicas. Cada uma, separadamente, não parece relevante; mas todas juntas são decisivas porque corrigem pontos de mau funcionamento da economia brasileira.
Juros: Os juros são altos demais. Não sei, a essa altura, quanto subiria a inflação — e se subiria — caso os juros caíssem. Os juros são tão altos que fica difícil prever. O que me preocupa é o impacto fiscal que o governo está tendo por praticar taxas tão altas. Os juros brasileiros são muito maiores do que os de todos os países que se podem encontrar facilmente no mapa. No spread bancário, houve avanços com os empréstimos consignados em folha. A Lei de Falências foi aprovada. Isso não tem efeito de uma hora para a outra, mas ajudará.
Carga tributária e informalidade: O nível de impostos continua muito alto no Brasil e isso estimula a sonegação. Tem havido avanço na fiscalização em setores como bebidas. A ampliação do Simples é um passo na direção certa, mas a informalidade é um problema gravíssimo. É preciso continuar reduzindo impostos para as empresas pequenas. O imposto sobre o trabalho é alto demais. Acho a contribuição previdenciária um imposto sobre os mais pobres, que acabarão se aposentado por idade e não por tempo de serviço. A sugestão feita naquela época era eliminar a contribuição que incide sobre o primeiro salário-mínimo do trabalhador.
Reforma trabalhista: Uma das coisas que falávamos na Agenda Perdida era sobre a necessidade de haver mudanças na Justiça do Trabalho. Até agora, nada foi feito. Nos Estados Unidos, a Justiça julga se o que foi combinado entre as partes foi cumprido, bem melhor que no Brasil, onde se julga se o que foi feito está ou não dentro da lei.
Comércio exterior: O movimento do Brasil nos últimos anos é o de chegar mais perto do mundo. Aumentou muito o comércio como proporção do PIB. Isso é bom. As negociações internacionais de comércio passaram nos últimos dois anos, e continuam passando, por um momento difícil. Estava pessimista há um ano e continuo. Os Estados Unidos não estão jogando um papel positivo, a Europa está voltada para os novos países europeus e o Brasil também não ajudou. Quando tanta gente não quer brincar, não se pode dizer de quem é a culpa por não haver brincadeira.
Distribuição de renda: Apesar da discussão no Brasil sobre focalistas e universalistas, é muito difícil não ter a visão de que é preciso focar no mais pobre, dada a ineficiência do governo brasileiro em reduzir desigualdades quando transfere renda. Tentar descobrir quem são os que mais precisam, ainda que a informação não seja perfeita, já melhora. Mesmo nos Estados Unidos, o Estado tem tido um papel importante em melhorar o índice de Gini (medida de desigualdade). Os benefícios universais precisam ser aperfeiçoados, como a escola pública de ensino fundamental e médio. O que não faz sentido é o Estado continuar investindo tanto em universidades, onde estudam mais os mais ricos, sobretudo em cursos que geram mais renda. Neles, a vantagem dos grupos privilegiados na hora do acesso é enorme.
Educação: É preciso investir cada vez mais no ensino fundamental. O foco tem que ser na educação primária e na melhoria do acesso ao secundário. Na Agenda, falávamos em ampliar o Bolsa Escola para jovens para mantê-los na escola. Isso ajudaria inclusive na redução da criminalidade.
Reforma universitária: Quantas reformas universitárias o Brasil já fez? O número de vezes que isso é discutido me surpreende. Fico espantado com o grau de centralização que está sendo proposto. O governo dos Estados Unidos nunca vai dizer a Harvard ou a Princeton o que fazer. Mesmo mudanças de currículo só acontecem a cada 20 anos.
Ação afirmativa: Muita coisa melhorou nos Estados Unidos com ação afirmativa. A integração no Exército foi uma delas. Princeton era uma universidade de WASP (expressão que define a elite americana formada pelas iniciais das palavras: branco, anglo-saxão, protestante); hoje está bem mais integrada. Os estudantes se beneficiam disso e as aulas ficam mais interessantes. Digo como professor, é muito mais interessante assim. Enquanto no Brasil o Estado continuar tão focado nos grupos privilegiados, serão necessárias políticas compensatórias. A USP, por exemplo, precisa, sim, de mecanismos para melhorar o grande subsídio que ela dá para quem não precisa.
Entrevista:O Estado inteligente
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