Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 12, 2008

Se canalhice matasse, ia ter muita gente no Congresso botando ponte de safena no caráter

VESTIDO DE NOIVA

Como falei – escrevi – na semana passada, em artigo sobre mitos, a onda mitológica criada em torno de Vestido de Noiva pela criticalhada, e todos os maria-vai-com-as-outras de sempre, fez com que me sentisse obrigado a escrever minhas profundas impressões sobre a obra revolucionária do Nelson Rodrigues. Que, como em todos os dias pré-Vestido, batucava ao meu lado numa esplendorosa Remington – não havia computadores! – na redação da revista O Cruzeiro, a Tevê Globo da época. O artigo, claro, é juvenil, faixa etária, acreditem, a que eu pertencia então.

VESTIDO DE NOIVA

POSITIVAMENTE, a cada dia que passa, compreendo menos os críticos. Crítico – vocês sabem – é o sujeito que aprecia mais o cacarejar da galinha pondo ovo do que um bom omelete. Pois bem, os críticos, todos, profissionais ou ocasionais, desde o diplomata Paschoal Carlos Magno até o poeta Manoel Bandeira, e o pracinha e jornalista José César Borba, desde o pintor Santa Rosa até o repórter David Nasser, desde o cronista Geraldo de Freitas até o Dr. Accioly Netto, diretor de nosso suplemento O Cruzeiro, acharam a peça de Nelson Rodrigues, Vestido de Noiva, uma coisa inteiramente diferente em matéria de teatro, algo inteiramente novo, revolucionário.

Influenciado, confesso, fui ver. Aliás, já tinha visto. E posso afiançar aos leitores que nada vi de diferente. Para começar entrei num teatro que já conhecia, com poltronas estofadas, como qualquer outro. Havia um palco, e palco não é novidade pra ninguém. A platéia estava cheia, mas não me parece ser o Sr. Nelson Rodrigues o inventor das platéias, cheias ou vazias. A peça, como qualquer peça, se vale de atores, bons uns, meIhores outros, outros excelentes, mas atores. Os atores se vestem com roupas e nunca vi nenhuma peça em que esse recurso primário de teatro não fosse usado. As vozes que usam são vozes humanas, como a de qualquer um dos leitores.

Ah, os críticos se referem principalmente à iluminação. Pensei que aí, pelo menos, fosse encontrar algo diferente. Mas não. Usava-se a mesma, a mesmíssima lâmpada incandescente, descoberta por Thomas Edison no fim do século XIX. Fiquei procurando um detalhe da coisa "inteiramente nova", mas não achei. Havia microfones e isso também foi plagiado de Marconi e Hertz, se não me engano. Os cigarros fumados na cena do delírio não são coisa nova, como sabem todos os nicotinomaníacos. De várias formas já eram usados desde 1500. As essas também são coisa antiga. E as velas. As notas da música usada na peça foram criadas em 1028. Já em 1404 usavam-se chapéus do tipo usado por Madame Clessy. Os jornais que aparecem foram inventados por Gutenberg, em Mogúncia, no ano de 1442. A mesa de operação se perde nos tempos e pode ser encontrada em qualquer hospital. O telefone foi inventado por Don Ameche em 1378, como é do conhecimento de todos os freqüentadores de cinema.

Mas sou uma pessoa que não gosta de julgar precipitadamente. Por isso imaginei que a peça Vestido de Noiva fosse nova em seus métodos de confecção. Verifiquei, portanto, o original. Mas aí também nada havia de novo. A peça foi escrita em papel, o mesmo que os chineses inventaram há alguns milhares de anos e Marco Polo trouxe para o ocidente junto com a pólvora e o macarrão à putanesca. Os caracteres empregados eram aqueles mesmos que vieram do Egito e foram sintetizados pelos fenícios. Os tipos foram batidos com máquina Remington, invenção de mais de trinta anos. As emendas foram feitas a tinta e a tinta é tão velha quanto o papel. As penas de aço usadas para as correções foram inventadas em 1825.

Enfim, parece-me que os críticos exageram quando afirmam que Vestido de Noiva é algo inteiramente novo. Porque, em última análise, até mesmo o título não é original. Sempre existiram vestidos. Sempre existiram noivas. E mesmo a preposição de, o professor Aurélio Buarque de Holanda me garante que ele já a usou milhares de vezes.

Aliás, eu também a uso meia dúzia de vezes neste artigo. Contem.

Emanuel Vão Gogo.

Arquivo do blog