Diplomacia ousada de Nicolas Sarkozy tenta dar
mais peso à França na Europa e no Mediterrâneo
Antonio Ribeiro, de Paris
Pierre Verde/AFP | ||
Depois da conquista de Carla, Sarkozy quer o casamento da UE com a África e o Oriente Médio | ||
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Nove jatos da Patrulha da França cobrem com rastros de fumaça azul, branca e vermelha o Arco do Triunfo, construído por Napoleão, na Praça Charles de Gaulle, em Paris. Nenhuma imagem é mais espetacular que a acrobacia aérea durante o 14 de julho, data comemorativa da Queda da Bastilha. Minutos depois da passagem dos aviões, não se vê nada no céu além do que havia antes. Neste ano, o ritual não foi diferente, mas veio acompanhado de iniciativas diplomáticas de Nicolas Sarkozy para se posicionar como líder mundial de peso e colocar a França no centro das questões internacionais. Há uma dúvida no ar: as ações do presidente francês produzirão resultados concretos ou foram apenas um show cuja lembrança se dissipará com o passar do tempo?
Sarkozy assumiu a presidência semestral da União Européia reunindo, em Paris, 43 chefes de estado. De um lado, os representantes da fronteira sul do antigo Império Romano, países árabes, Israel e Turquia. Do outro, os 27 membros da UE. O encontro criou a União pelo Mediterrâneo – o Club Med, jocosa referência à rede hoteleira francesa. A idéia inicial de Sarkozy era reunir apenas os países costeiros ao mar que amamentou a civilização ocidental. Os vizinhos do norte da Europa julgaram a iniciativa mais uma manobra dos "colhedores de azeitonas" – países do sul do continente, cujos governos eram vorazes pelos recursos da UE nos anos 90, mas controlavam pouco o orçamento. A chanceler alemã, Angela Merkel, tomou a frente das críticas e acusou os franceses de tentar criar uma zona de influência para contrabalançar a expansão econômica da Alemanha no Leste Europeu. Resultado: Sarkozy convidou todos os membros da UE para o Club Med. Aproveitou a oportunidade para agregar também quatro países dos Bálcãs, a Síria, a Jordânia e Israel.
O Club Med, reunindo 800 milhões de pessoas com rendas e culturas opostas, foi concebido para aproximar o sul, o norte e o leste do Mediterrâneo por meio de projetos que envolvem transportes, questões climáticas e ambientais, imigração e segurança. Um exemplo da colaboração é a abertura – a 14 quilômetros de Gibraltar – do Porto de Tânger, no Marrocos, pelo qual circulam 3,5 milhões de contêineres. A capacidade equivale à de Felixstowe, o maior porto britânico. Trata-se de uma guinada radical na percepção européia do norte-africano. No lugar de fronteira protegida da imigração ilegal e do terrorismo, a região tornou-se ponto de contato das caravanas marítimas do comércio exterior. A sobrevivência do Club Med depende de financiamentos. A UE não está disposta a ir além dos 7,5 bilhões de euros previstos pelos acordos de Barcelona. A diplomacia francesa acredita no interesse do setor privado pela região, onde o volume de investimentos diretos só é inferior ao da China, e também em créditos dos fundos soberanos de países do Golfo Pérsico. A Turquia alertou que a criação do Club Med não pode prejudicar sua candidatura à UE.
Eric Feferberg/AFP |
Criação do Club Med: 43 chefes de estado e de governo em Paris. No lugar de velhos conflitos, uma esperança de mais cooperação em transportes, questões climáticas e ambientais, imigração e segurança |
No crepúsculo do governo George W. Bush, enquanto os americanos estão distraídos com a campanha presidencial, Sarkozy mediou um encontro entre o primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, e o presidente palestino, Mahmoud Abbas. Uma tentativa de retomar as negociações de paz. Olmert saiu do Palácio do Eliseu dizendo que nunca a possibilidade de acordo esteve tão próxima. Há margem para a suspeita de que a declaração de Olmert serviria para ofuscar outra questão. O israelense governa sob o peso da acusação de ter feito caixa dois na campanha eleitoral. Poucos acreditam em soluções nos conflitos do Oriente Médio antes da eleição do novo presidente dos EUA. Desta vez, nem os franceses fogem à regra. É o caso da revista L’Express, cuja capa estampa uma fotografia de Sarkozy e Bernard Kouchner, ministro das Relações Exteriores, com o título: "Eles estão à altura?".
Potência mediana, a França precisa fazer malabarismo para pesar no cenário internacional. Ela pode ajudar, mas não lidera. A diplomacia gaullista é boa prova. Sarkozy arrancou o presidente da Síria, Bashar Assad, do isolamento, trazendo-o para se sentar em uma mesa onde estava o primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert. "Se vocês querem a paz, como não conversar com quem tem opiniões diferentes?", Sarkozy disse a Assad. O presidente sírio desconversou, mas houve progresso em outro ponto. Assad prometeu abrir a embaixada do seu país em Beirute, um reconhecimento tácito do Líbano soberano, uma criação da França colonial, desde sempre considerado pelos sírios como parte do seu território. Nesta segunda-feira, Sarkozy viaja a Dublin para persuadir os irlandeses a votar a favor do tratado sobre reformas na UE, que foi rejeitado por eles em referendo. A julgar pelas três horas respondendo a questões no Parlamento Europeu, fato inédito para um chefe de estado, e sem recuperar o fuso horário de uma viagem ao Japão, verbo não falta a Sarkozy. Quanto ao fôlego do presidente, basta escutar a primeira-dama Carla Bruni-Sarkozy para saber a resposta.