O Estado de S. Paulo EDITORIAL
Naquela mesma sexta-feira, porém, este jornal revelou que em 29 de maio a Polícia Federal gravou um telefonema de um dos advogados do banqueiro Daniel Dantas, o ex-parlamentar petista Luiz Eduardo Greenhalgh, para o chefe de gabinete do Planalto, Gilberto Carvalho. Na conversa, este se compromete a procurar o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa, como fizera com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência - sempre a pedido de Greenhalgh -, para esclarecer se a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) investigava o lugar-tenente de Dantas, Humberto Braz. Divulgado o diálogo, Carvalho negou que tivesse levado o assunto adiante. Ainda assim, a mera promessa sugere que o mais próximo colaborador de Lula, à vontade com um companheiro, não se pautou pelo princípio da separação entre interesse público e interesses privados - e que interesses!
De toda maneira, a exposição de Carvalho enfureceu o presidente, trouxe "para dentro do palácio", nas palavras de um ex-ministro, o problema dos vazamentos de material sob segredo de Justiça - como os transcritos de telefonemas monitorados - e selou a sorte do delegado Protógenes Queiroz, o responsável pela Satiagraha. Ele já estava na mira do diretor da PF por não tê-lo avisado de suas iniciativas, a mais grave das quais foi envolver informalmente a Abin na operação. Não havia duas opiniões nem sobre a necessidade de remover o delegado nem sobre a conveniência de maquiar a remoção, para que não fosse entendida como tentativa de esfriar uma investigação sobre as estripulias de um potentado dos negócios malquisto pela opinião pública. Faltou combinar com os russos, diria Garrincha. Protógenes não só se recusou a oferecer espontaneamente a cabeça ao cutelo, mas fez saber que fora pressionado a se imolar.
Confrontado com o que os seus assessores lhe disseram ser um difuso sentimento de desconfiança, na sociedade, sobre as verdadeiras razões da saída do delegado, Lula recorreu a um desastroso estratagema para salvar a face: investiu rombudamente contra o policial, a quem acusou de "vender insinuações" - ou seja, a verdade dos fatos - e de ser relapso, ainda por cima. "Ninguém pode fazer o trabalho que ele fez por quatro anos e, na hora de terminar o relatório, dizer que vai embora", o descompôs o presidente. "Tem que ficar no caso." De novo, não pegou. Diante disso, Lula tirou da manga, imaginando que fosse um ás, o que se revelaria um pífio dois de paus: ordenou que a PF divulgasse a gravação da reunião interna convocada exatamente para tirar Protógenes, a fim de respaldar a patranha de que ele saiu porque quis (a pretexto de concluir um curso). E assim se fez, dando novo significado à expressão "tiro no pé".
O que a PF liberou foi um áudio selecionado a dedo de menos de 4 minutos de uma reunião que durou cerca de 4 horas. Tudo mais seria confidencial. Nele se ouve o delegado dizer que "falhou", "criou um grande problema" para os colegas e que não pretende retomar a operação "até mesmo depois da academia". Ele teria afirmado a amigos, porém, que a fita "adulterou" o que aconteceu ao longo da reunião. É plausível. O Planalto, em suma, perdeu a parada. Protógenes, com todas as suas falhas, sai como vítima, e Lula, como o algoz que o puniu por ter mostrado a intimidade do governo.