Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 05, 2008

Os cinqüentões empreendedores

A aurora dos cinqüentões

Eles têm experiência e vitalidade. Em vez de esperarem passivamente pela velhice, criam seus próprios negócios, estudam para manter a mente ativa e enveredar por outra profissão. Também se divertem na intimidade. No Brasil de hoje, o 50 é o novo 40

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abaixo:
Com 50 anos e sem patrão
Recrutados depois da aposentadoria
Veteranos se tornam calouros
Velhice? fica para mais tarde

Quando se trata de desfrutar a vida com as vantagens da maturidade, mas a uma distância ainda segura dos desconfortos da velhice, o 50 é o novo 40. Ou, dito de outra maneira: a combinação de experiência e vitalidade que até pouco tempo atrás caracterizava os quarentões agora também distingue homens e mulheres que ultrapassaram a barreira dos 50 anos. A explicação de fundo para isso é, digamos, de saúde pública: as pessoas estão vivendo mais, e envelhecem melhor. As conseqüências da mudança são as mais diversas. Fazem-se sentir no mercado de trabalho, nas universidades, na vida privada. As próximas páginas mostram que, hoje, cinqüentões trocam de bom grado o pijama de aposentado (ou a perspectiva iminente de vesti-lo) pela ousadia de abrir uma empresa – ou então preenchem vagas de destaque, e muito bem remuneradas, num mercado carente de mão-de-obra qualificada. Seu contingente aumenta nas carteiras do ensino superior, no qual eles são calouros com pinta de veteranos. E, como não poderia deixar de ser, gente madura que faz ioga, musculação ou corrida, ainda que não exiba as formas extraordinárias da cinqüentona Madonna, fica bem mais à vontade entre quatro paredes. As reportagens a seguir confirmam, enfim, que um número crescente de pessoas dá valor à bagagem de vida que acumularam. Como disse o satirista inglês P.G. Wodehouse, elas sabem que não existe cura verdadeira para os cabelos grisalhos – e, por isso mesmo, fazem deles o melhor uso possível.


Com 50 anos e sem patrão

O número de pessoas que abriram negócios quando já poderiam se aposentar (ou pensar em) dobrou desde 2001, com bons resultados: suas empresas faturam mais e têm vida acima da média nacional


Silvia Rogar


Ernani D'Almeida
A niteroiense Elisa Rosa, de 52 anos, cercada por adesivos decorativos que começou a fabricar em 2006, depois que os filhos chegaram à universidade: "Não entrei no mercado para brincar. Montei uma empresa sem espaço para amadorismos, porque não tenho mais tempo a perder"


Tradicionalmente, os 50 anos marcam o início da contagem regressiva para a aposentadoria – em especial no Brasil, onde o sistema previdenciário com base no tempo de contribuição permite que se deixe a labuta cedo, em comparação com o que acontece em países como Suécia e Inglaterra. Mas as estatísticas mostram que, ao longo desta década, o sonho de vestir o pijama e não ter hora para acordar vem sendo substituído pela vontade de escrever um novo capítulo na vida profissional. No Brasil, a virada dos cinqüentões é uma transformação palpitante do mercado de trabalho. Entre 2003 e 2007, esse foi o único grupo etário a aumentar sua participação na população ocupada, segundo a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que mede a cada mês o emprego nas seis principais regiões metropolitanas do país. Ao contrário da maioria dos trabalhadores, que tem a carteira assinada por uma empresa do setor privado, as pessoas com 50 anos procuram não ter patrão. De acordo com a mesma pesquisa, em abril passado um terço desse grupo atuava por conta própria. Outros 9% eram empregadores, praticamente o dobro do porcentual geral entre os brasileiros inseridos no mercado. Seja por falta de opção ou senso de oportunidade, eles se dão bem: a renda mensal dessa faixa etária é 34,5% maior que a da média.

No ano passado, 17,5% dos brasileiros à frente de negócios em estágio inicial tinham entre 45 e 54 anos, segundo dados do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), estudo internacional que destrincha o nível dessa atividade em 42 países. Para se ter idéia do crescimento, em 2001 eles representavam apenas 7% do total. A etapa nacional da mesma pesquisa, coordenada pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade, constatou que o país está entre os mais empreendedores do mundo: ficou em nono lugar no ranking que avalia o envolvimento da população adulta em novos negócios – à frente de Rússia, Índia e Japão, entre outros.

A niteroiense Elisa Santos Rosa, de 52 anos, contribuiu para essa estatística ao dar uma guinada em sua vida. Formada em psicologia, ela dedicou mais tempo à família que à profissão. Ao lado do marido, executivo de multinacional, viveu em Buenos Aires e, por fim, estabeleceu-se em São Paulo. Com os filhos na universidade, Elisa decidiu que era hora de trabalhar para valer. No fim de 2006, deparou com um produto que começava a fazer sucesso nos Estados Unidos, mas ainda era pouco conhecido no Brasil: o adesivo decorativo de paredes, criado para o consumidor que gosta de mudar o visual de casa com freqüência. Foi assim que surgiu a I.Stick, que hoje conta com quatro quiosques em shoppings, espaço próprio nas três lojas da rede paulista Etna e um bem-sucedido site de vendas, além de conceber decoração sob encomenda para empresas. O negócio começou a dar lucro no sétimo mês, muito antes do prazo previsto de dois anos. "Não entrei no mercado para brincar. Montei uma empresa sem espaço para amadorismo, porque não tenho mais tempo a perder", diz Elisa, que não descuida das metas e arregaça as mangas para limpar o chão e carregar caixas se for preciso.

A explicação para o fenômeno dos cinqüentões empresários está na combinação da inclinação dos brasileiros por empreender com o aumento da longevidade. Nos anos 1910, a expectativa de vida média no país era de 34 anos. Hoje, está em quase 73 anos. Atualmente, uma pessoa que chega aos 50 anos com saúde sabe que ainda terá muitos anos pela frente para fazer o que bem entender. "O brasileiro está vivendo mais e continua a ser empreendedor em todas as etapas da vida", diz Ricardo Tortorella, diretor do Sebrae São Paulo. Só em 2005, a instituição calcula que 20.847 pessoas com 50 anos ou mais abriram negócios no estado – 36% mais que em 2000. Essa disposição para trabalhar até mais tarde vem transformando o conceito de aposentadoria. "Até os anos 1960, ela era sinônimo de descanso. Passou a ser encarada como uma recompensa na década de 1970 e, nos anos 1980, como um direito. Hoje, é a oportunidade de recomeçar", diz David Baxter, da Age Wave, agência americana de pesquisa e consultoria focada no público sênior. Um estudo do grupo Merrill Lynch, feito nos Estados Unidos, confirma: 71% dos entrevistados querem manter algum tipo de trabalho na aposentadoria, e a maioria não cogita deixar o mercado por completo antes dos 70 anos. A decisão de permanecer na ativa pode traduzir-se numa velhice mais saudável. Muitos estudos relacionam a aposentadoria precoce ao encurtamento da vida, em decorrência de depressão, sedentarismo e stress causados pela mudança de rotina (para não falar da chatice crônica do pijamão, como sabem todos os que convivem com um desses em casa).


Fabiano Accorsi
O paulista José Luiz Majolo, de 54 anos, foi tachado de louco quando decidiu trocar a vida de vice-presidente do ABN Amro Real pela de fabricante de produtos de limpeza à base de laranja: "O Brasil vive um momento mágico, com ambiente favorável para trabalhar com novas idéias"

Empreender aos 50 tem algumas vantagens, mas se está sujeito às mesmas armadilhas de começar um negócio do zero em idade mais jovem. São erros comuns, entre todos os "calouros" do empreendedorismo, deixar de estudar o mercado em que se vai entrar ou não incluir no planejamento de gastos o montante necessário para o capital de giro. Mas adotar uma visão romantizada do negócio próprio é uma tentação a que o principiante de faixa etária mais avançada está especialmente exposto. Quem sonha com um bar ou uma pousada numa praia paradisíaca no fim da vida, em geral, não leva jeito para ser empresário. "Essa perspectiva não é compatível com um perfil empreendedor. É um grande erro acreditar que, por ser dono de um negócio, você vai levar uma vida mais calma", diz Paulo Veras, diretor da Endeavor, organização de incentivo a talentos empresariais do país. Encostar a barriga no balcão ou passar na empresa apenas alguns dias por semana são passos firmes na direção do fracasso. Inversamente, entrar num negócio preocupado apenas com o dinheiro que se vai ganhar, sem levar em conta o prazer que o trabalho pode proporcionar, é uma receita para a frustração.

Aos que estão convictos da oportunidade de mudar o rumo, e conscientes do desafio, resta ainda enfrentar o ceticismo alheio. Com três décadas de experiência no mercado financeiro, José Luiz Majolo, de 54 anos, foi tachado de maluco quando anunciou que largaria seu emprego. Explica-se: ele era vice-presidente do banco ABN Amro Real, posição que muita gente quer e da qual pouquíssimos teriam coragem de abrir mão – ainda mais para investir em um negócio "verde". Majolo passou meses desmentindo boatos sobre os motivos de seu desligamento, atribuído a desavenças e convites irrecusáveis da concorrência. No ano passado, ele criou a TerpenOil, fabricante de produtos de limpeza orgânicos e biodegradáveis e purificadores de ar, todos à base de uma substância natural extraída da laranja. "O país vive um momento mágico: o ambiente está favorável para tocar negócios e trabalhar com novas idéias. Por que não aproveitá-lo?", diz. A TerpenOil tem hoje clientes como o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e a Whirlpool (fabricante dos produtos Brastemp). Deve faturar 2,5 milhões de reais neste ano. Em 2011, Majolo pretende abrir o capital da empresa em bolsa.

Os componentes químicos da laranja nada têm a ver com a dinâmica de um banco, mas o empresário não era exatamente um marinheiro de primeira viagem: ele esteve à frente de ações socioambientais do Real. Segundo os experts, quanto mais domínio do ramo, maiores são as chances de um negócio dar certo. "O ideal é continuar numa área conhecida", afirma João Marcos Varella, consultor de carreiras da DBM, empresa especializada na transição de executivos, que mantém um núcleo para os que planejam montar empresas desde 2006. Além de serem frustrantes, decisões erradas doem mais no bolso de quem já não tem tanto tempo de refazer o capital para a velhice. A jogada do engenheiro capixaba Tito Moraes, 55 anos, foi arriscada. Em 2000, ele abriu uma distribuidora de cachaças artesanais, depois de aderir a um plano de demissão incentivada de uma subsidiária da Vale. Moraes nunca cogitou desistir do negócio, mas passou por maus bocados. Antes de descobrir que o melhor caminho era investir na distribuição, teve lojas e formatou uma franquia. "Ao longo do caminho, errei e acertei. No entanto, sempre usei minha maturidade para medir os passos que ia dar", diz. Sua empresa, a Tonel&Pinga, representa atualmente 300 rótulos da bebida e tem clientes de peso, como a rede de supermercados carioca Zona Sul. Desde 2003, vem crescendo entre 7% e 20% ao ano.

Quando a decisão de empreender não é apenas uma fantasia, os cinqüentões têm mais chance de sucesso que os mais novos. A Microsoft fez uma pesquisa na Inglaterra e constatou que 70% das empresas abertas por pessoas dessa faixa etária duram pelo menos três anos, enquanto apenas 28% das iniciadas pelos mais jovens têm a mesma longevidade. Isso porque os empresários de 50 anos, em geral, são cautelosos e estudam melhor a concorrência. Eles também costumam ter a seu favor o traquejo na gestão de pessoas e uma rede de contatos estabelecida ao longo da carreira, o chamado networking. De resto, é ter disposição para não desanimar com os obstáculos iniciais. Elisa Rosa dá a dica a quem planeja uma guinada como a dela: "Além de traçar metas de trabalho, é bom começar a fazer ginástica para agüentar o novo ritmo", diz ela, maratonista recém-convertida.

Donos do próprio nariz

n Os brasileiros com idade entre 45 e 54 anos à frente de negócios em estágio inicial representavam 7% do total em 2001. No ano passado, já eram 17,5%.

• O grupo com 50 anos ou mais foi o único a aumentar sua participação na população ocupada entre 2003 e 2007.

31% deles trabalham por conta própria. Na média de pessoas inseridas no mercado, esse porcentual é de 19%.

• Nessa faixa etária, 9% são empregadores, o que corresponde ao dobro da média da população ocupada em geral.

70% das empresas criadas e geridas por essas pessoas duram pelo menos três anos. Nas demais faixas, apenas 28% ultrapassam essa marca.

Fontes: Global Entrepreneurship Monitor, Microsoft e Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE

Para quem vai recomeçar

Corbis Latin Stock/Royalty Free


O que pesa a favor

O autoconhecimento. É mais improvável que se entre num negócio com o qual não se tenha afinidade.

A rede de contatos que fez ao longo da vida, o chamado networking.

As experiências passadas. Elas servem de referência antes de se decidir no que investir.

O conhecimento acumulado. Ele resulta em maiores chances de o negócio dar certo.


O que pode pesar contra

A visão romantizada. Se sonha com um café charmoso ou uma pousadinha, provavelmente você não tem veia empreendedora.

A arrogância. O bom empreendedor deve fazer cursos e analisar permanentemente a concorrência – mesmo já sendo um profissional experiente.

Excesso de ousadia. Não há expectativa de retorno que justifique raspar toda a sua reserva nessa etapa da vida.

Fontes: Age Wave e DBM Brasil


Recrutados depois
da aposentadoria

Eles já haviam dado sua carreira por encerrada. Mas,
atraídos por ótimas propostas de trabalho, retornam ao
batente para suprir a escassez de mão-de-obra qualificada


Marcos Todeschini

Alexandre Schneider
Após 35 anos de trabalho, o engenheiro civil José Carlos Greppe aproveitou o ócio da aposentadoria: aprendeu a jogar golfe, comprou uma casa de campo e viajou para a Europa sem dia certo para retornar. Durou pouco. Assediado por quatro empresas, aceitou uma proposta para voltar. "A oferta era irrecusável"


Aos 55 anos, o engenheiro José Carlos Greppe comprou sua primeira casa de campo, organizou a biblioteca, aprendeu a jogar golfe e passou uma temporada na Europa com a mulher sem ter marcado a passagem de volta. Estava aposentado – "sem culpas nem saudade do escritório". Foi quando recebeu três ótimas ofertas de emprego. Recusou todas. Aí veio mais uma, feita justamente pela empresa onde havia trabalhado por vinte anos. Além de um salário de alto executivo, foi-lhe dada a opção de fazer o próprio horário. Greppe aceitou. Ele diz: "Com tantas regalias, não consegui negar". Não é o único caso de ex-aposentado nos quadros da Promon, uma das maiores empresas de engenharia do país. Greppe e mais 35 engenheiros de faixa etária parecida (e já em pleno ócio) foram convidados a ocupar vagas para as quais estava difícil achar profissionais tão especializados à disposição no mercado. Um recente estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que a história tem se repetido em muitas outras companhias no país. É o que explica o fato de o número de cinqüentões recém-empregados ter crescido 50% no último ano – enquanto o de jovens aumentou 30%. A disputa por eles é acirrada. A diretora de recursos humanos da Promon, Márcia Fernandes, ouviu de vários dos supostos aposentados que tentava recontratar: "Já arranjei outro emprego".

O que motiva os veteranos a regressar à velha vida no escritório? Antes de tudo, condições de trabalho melhores do que aquelas que haviam deixado para trás. Para atraí-los, as empresas oferecem bons cargos, horários flexíveis e salários em média 30% maiores que o valor do último contracheque antes da aposentadoria. Diante de tantas regalias, a volta ao trabalho se torna uma boa oportunidade de juntar mais dinheiro para a velhice. Outra razão para o retorno diz respeito ao sentimento que se abate sobre eles depois de um tempo longe do batente. Ainda se vêem jovens e começam a sentir o "vazio da improdutividade". É assim que o engenheiro civil Misael Sá, 56 anos, se refere à angústia de parte do período de oito anos em que passou em casa. Deu tempo para fazer aulas de inglês, direito e informática, mas era só passar por um canteiro de obras para ser tomado de lembranças. Há um ano, decidiu voltar. "Aos 50, gosto mais do trabalho, porque tenho total domínio do que faço e ele deixou de ser uma obrigação. É uma escolha."

Veteranos que antes tinham dificuldade em arranjar emprego passaram a ser tão requisitados agora porque há, no Brasil, uma crônica escassez de mão-de-obra qualificada para desempenhar certas funções – entre elas a de engenheiro, agrônomo e analista de sistemas (veja quadro). São ao todo 200 000 vagas ociosas por ausência de gente preparada para ocupá-las, segundo um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Situação típica de nações que, como o Brasil, crescem em ritmo veloz e passam a requerer um grande número de profissionais de bom nível para suprir as novas demandas da economia. Para se ter uma idéia, o país precisaria de pelo menos 25 engenheiros para cada grupo de 100 000 habitantes se quisesse dar conta de obras que começam a sair do papel. Tem apenas seis. O que piora a situação é o fato de os recém-formados deixarem a faculdade despreparados para executar até mesmo funções básicas nas empresas, outra razão para que elas saiam à caça dos experientes. Os mais velhos contam com uma vantagem adicional: ajudam a acelerar a adaptação dos novatos ao mercado de trabalho. Viram seus mentores. "Oferecemos ótimos salários e cursos no exterior para tornar o emprego atraente aos mais velhos. Nunca precisamos tanto deles", diz Lairton Corrêa, gerente de recursos humanos da Petrobras.

Entre os aposentados, há um tipo bem específico que interessa às empresas: aquele que já havia consolidado a carreira e se mantém, de alguma forma, conectado à sua área. Ainda assim, elas precisam investir na atualização dos que retornam. O primeiro mês na volta ao trabalho é de muito treinamento e pouca produção. Trata-se de um período de "recauchutagem", segundo o jargão das empresas. O especialista em ferrovias Peter Alouche já passou dessa fase. Aos 59 anos, teve uma chance rara. Depois de uma brevíssima aposentadoria de um mês, ele, que sempre trabalhou em empresas de transporte público, aceitou um emprego de consultor na iniciativa privada. Alouche está eufórico: "Sinto-me como se tivesse 30 anos".



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Veteranos se tornam calouros

Os grisalhos na sala de aula já não são só os professores. Milhares de pessoas acima dos 50 estão na universidade em busca de um novo caminho – ou apenas de uma atividade para ocupar o tempo livre


Camila Pereira


Paulo Pereira
O agrônomo Luis Antonio de Andrade, entre seus colegas de turma na Fundação Getulio Vargas: aos 50 anos, ele conseguiu concretizar o sonho de estudar direito e arranjou até estágio na procuradoria do estado: "Acham que eu sou procurador"


Quando Leda Tella abriu a porta da sala no primeiro dia de aula, a classe fez silêncio. Os estudantes pensavam se tratar da professora, mas era mais uma aluna do curso de direito na Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo. O motivo do mal-entendido: Leda tem 54 anos. Ela pertence a um crescente grupo de calouros que ingressa na universidade depois dos 50. Segundo o Ministério da Educação (MEC), a concentração deles mais que dobrou desde 2000. Salvo raras exceções, quase todos já têm um diploma de ensino superior. Voltam à sala de aula, basicamente, por dois motivos. Uma parte busca uma atividade intelectual numa fase da vida em que começa a sobrar tempo – caso de Leda, que tem dois filhos crescidos e não exercia a profissão de assistente social. Ela diz: "Ir à universidade é um estímulo à mente, ainda que não tenha nenhuma finalidade prática." Cinqüentões como Leda são os que costumam aparecer em cursos como psicologia, teologia, pedagogia e comunicação social, entre os mais procurados nessa faixa etária (veja o quadro). O restante, ainda na ativa, mira um plano B para a aposentadoria. Depois de décadas de carteira assinada, essas pessoas chegam à universidade à procura de uma segunda formação que lhes permita trabalhar, enfim, por conta própria. Daí a preferência pelas faculdades de direito e administração de empresas. A idéia é manter uma vida produtiva – sem chefe.

Cursar uma universidade depois de cruzar a barreira dos 50 não é tão fácil. Para conseguir vaga numa boa faculdade, muitos veteranos enfrentam a maratona dos cursinhos, uma vez que as matérias cobradas no vestibular não passam de lembrança remota. Depois de entrar, eles precisam reaprender a estudar e se adequar aos novos tempos. Alguns contratam professores particulares de computação para conseguir realizar os trabalhos na tela, algo que eles não sabem e lhes é exigido o tempo todo. O agrônomo Luis Antonio de Andrade diz já ter vencido o período de adaptação na faculdade de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV). Aos 18, sonhava ser advogado, mas acabou na agronomia por pragmatismo: sua família era dona de uma fazenda no interior de São Paulo. Só aos 50 conseguiu juntar dinheiro para passar quatro anos estudando direito sem receber salário. Sua renda hoje se limita aos 460 reais mensais do estágio que arranjou na Procuradoria Geral do Estado, onde costuma ser confundido com os procuradores. "As pessoas se espantam quando digo que sou apenas o estagiário." Depois da formatura, Andrade planeja abrir seu próprio escritório de advocacia. "Recomeçar nessa idade é um processo rejuvenescedor", diz ele.

Pesquisas sobre calouros cinqüentões reforçam a idéia de que a volta à sala de aula na maturidade traz benefícios que vão além de uma eventual guinada na vida profissional ou da expansão do conhecimento. Uma das mais abrangentes foi conduzida pela Universidade de Londres. De acordo com os ingleses, o primeiro efeito positivo diz respeito à construção de uma nova rede de amigos numa fase da vida em que muita gente se queixa de solidão. O outro se refere ao fato de o ambiente acadêmico ajudar a manter essas pessoas atualizadas – sobretudo em relação ao mundo digital, que até então ignoravam. O exercício intelectual tem impacto positivo também na saúde, ao contribuir para a manutenção da memória e para a inibição de certas doenças neurológicas, como já foi comprovado cientificamente. Tudo isso, conclui a pesquisa, ajuda a preservar de forma decisiva a qualidade de vida na meia-idade (com o perdão pela expressão).

O aumento dos estudantes com mais de 50 anos não se restringe ao Brasil. Trata-se de um fenômeno típico de países em que a população envelhece – e chega à plena maturidade cheia de saúde e disposição. Também não se limita à graduação. Em quase todas as universidades brasileiras, há cursos livres oferecidos a gente dessa faixa etária. Na pós-graduação, por sua vez, o porcentual dos que têm 50 ou mais cresceu incrivelmente: 110% nos últimos cinco anos. O matemático Luciano dos Santos não planeja parar de estudar – só que medicina. A migração entre áreas tão distintas, por si só, já chamaria atenção nesse caso. Surpreende ainda mais saber a idade em que Luciano decidiu fazer isso: 58 anos. Aposentado depois de um quarto de século numa multinacional, ele se viu entediado. Matriculou-se num cursinho e, na quinta tentativa, entrou na faculdade de medicina da Universidade Federal de São Paulo, uma das mais disputadas do país. Está hoje no quarto ano e se diz realizado com o recomeço a essa altura da vida: "Se puder ser útil como médico, será fantástico. Mas estudar já está valendo a pena".


Velhice? fica para mais tarde

Com cuidados estéticos, alimentação saudável e atividade física,
quem faz 50 anos (e não parece) adia a hora de envelhecer


Silvia Rogar e Sandra Brasil

Tony Barson/Wireimagem/Getty Images
Old girl, jamais: fanática por exercício físico e empenhada em disfarçar todo e qualquer sinal da idade, Madonna chega ao meio século em pleno palco, pulando, dançando, cantando e se contorcendo de maneira insinuante


No dia 23 de agosto, Madonna estará dançando, pulando e se contorcendo de maneira insinuante em Cardiff, País de Gales, a primeira parada de sua turnê com o novo show, Sticky & Sweet, que vai até o fim de novembro. Será, a essa altura, uma senhora de 50 anos, idade que completa uma semana antes, no dia 16. Isto mesmo: Madonna, a loira de músculos definidos, magérrima e conservadíssima, é cinqüentona. Sua figura é produto de uma dose excepcional de disciplina (e de exercícios), mas estar bem na sua idade não tem nada de incomum. Só no mundo dos artistas, onde imagem não é tudo mas chega perto, também acabam de dobrar o cabo dos 50 anos as atrizes Sharon Stone (em março) e Michelle Pfeiffer (em abril), beldades de parar o trânsito em qualquer tapete vermelho. Ultrapassou a mesma barreira no ano passado a atriz Christiane Torloni, que na novela das 7 da Rede Globo, Beleza Pura, disputa com a própria filha o amor de Guilherme (Edson Celulari, 50 em março). Como comprovam as contas do dermatologista, da academia e da farmácia, as mulheres precisam se dedicar com afinco à missão de estar bem na metade da vida. Homens, um pouco menos, para a eterna inveja delas. Como cabelo grisalho e rugas discretas nunca foram impedimento para o sucesso social masculino, permanecem galãs apesar (ou por causa) da idade madura os irresistíveis Pierce Brosnan, um poço de charme aos 55, Richard Gere, inalterável jeitinho carente aos 58, e José Mayer, que, aos 59 e longe de sua melhor forma (por força do papel, ressalte-se), anda aos beijos com Juliana Paes em A Favorita, folhetim das 8 da Globo. Com ou sem muito esforço, o fato é que a população de meia-idade (termo, por sinal, cada vez mais impopular) envelhece (mais impopular ainda) com muito menos marcas, internas e externas, do que seus pais.


Reginaldo Teixeira
Lalo Yasky/Wireimage/Getty Image
Galã em qualquer situação: Mayer, 59, faz papel de hippie desleixado. Mesmo assim, beija Juliana Paes Quanto mais velho, melhor: Gere, 58, rugas e cabelo branco. E as mulheres ainda querem pôr no colo

Cinqüentões hoje adotam hábitos alimentares mais saudáveis (quem é do grupo e não usa adoçante, inclusive na caipirinha, levante a mão) e põem o corpo para trabalhar, em academias e em treinos de corrida. "A turma na faixa dos 50 anos foi a que mais cresceu nas nossas escolas. Em 1993, essas pessoas representavam menos de 4% do total. Hoje são 13%", diz Richard Bilton, presidente da Companhia Athletica, a maior rede de academias do Brasil. Ao cuidarem da forma, os atletas maduros incrementam sua vida social. Em outras palavras: treino físico também é badalação. A corrida é seguida de jantar com os amigos – quando não significa uma viagem em grupo.

Danilo Borges
A vaidade compensa: Christiane, 51, disputa o mesmo homem com a filha (na novela). Deve ganhar


Lailson Santos
Arvorismo nas horas vagas: Flor, 53, e Silva, 55, namoraram, se separaram, se reencontraram, voltaram a namorar, foram morar juntos e vão se casar. "Quero ter saúde para curtir tudo o que pudermos por mais trinta, quarenta anos", diz ela


"Minha mulher não quer saber de correr, mas adora me acompanhar nas viagens", diz o executivo gaúcho Paulo Tonding, 54 anos, corredor há quatro. Tonding aderiu a esse esporte por recomendação médica – era hipertenso e tinha colesterol alto. "De cada dez pessoas com mais de 50 que nos procuram, oito foram aconselhadas pelo médico a perder peso e praticar atividade física", observa o preparador físico Mario Sergio Andrade Silva, dono da Run&Fun, de São Paulo, onde 11% dos alunos estão nessa faixa de idade. "Eles são os mais dedicados, porque sabem o que querem", diz Andrade Silva. Tonding, por exemplo, quer acumular medalhas de participação: já tem 83, entre elas as de cinco meias maratonas e as de três maratonas inteiras. No momento, prepara-se para a maratona de Nova York, em novembro, para onde embarca com a mulher, Jussara, o filho, a filha e namorados. "Eles me aplaudem na chegada e eu ofereço a eles uma semana de turismo", diz.

Inevitavelmente, a boa disposição aos 50 anos produz ondas gigantes no mar dos relacionamentos, como comprovam a explosão de casamentos (mais 113% eles, mais 131% elas) e a de separações (mais 55% no total) nos últimos dez anos (veja o quadro). "É uma mudança que acompanha o aumento da expectativa de vida", diz a psiquiatra Carmita Abdo, da Universidade de São Paulo. Carmita publicou no ano passado os resultados de uma pesquisa realizada com 10 161 pessoas com idade média de 52 anos. Pois 96,8% dos homens e 77,6% das mulheres se disseram sexualmente ativos nos doze meses anteriores. "Como um cinqüentão não aparenta a idade, nem se sente velho, sua vida afetiva está em aberto. Ele precisa reinventar continuamente um casamento que ainda vai durar décadas, ou buscar novos caminhos", afirma a psiquiatra. Entre as mulheres, as mudanças são mais notáveis. "Elas estão mais confiantes e confortáveis. A grande novidade está na palavra ‘opção’. Hoje as mulheres de 50 podem escolher o que querem fazer", diz a psicóloga americana Nancy Etcoff, professora da Universidade Harvard, que coordenou uma pesquisa entre quase 1 500 mulheres de 50 a 64 anos em nove países, inclusive o Brasil, encomendada pela Dove, marca de produtos de higiene e beleza, para identificar a imagem que elas têm de si mesmas. Conclusão: a imagem é positiva, embora morram de medo de engordar. E elas juram que têm orgulho da idade (veja o quadro).


Lailson Santos
Boa forma, boa viagem: Tonding, 54, treina corrida, coleciona medalhas e se prepara para a maratona de Nova York, para onde vai com a família toda. "Eles me aplaudem na chegada e eu ofereço a eles uma semana de turismo", diz

Exemplo da disposição para encarar mudanças radicais, a paulistana Flor Mascarenhas, maquiadora de filmes publicitários, 53 anos, de bem com a idade ("Não ando mais de minissaia, mas também não me escondo num tailleur"), reencontrou há quatro anos um namorado da adolescência, o analista de sistemas Antônio Carlos da Silva, 55 – ela, sozinha, ele enredado num casamento malsucedido. Silva se separou, foram morar juntos e neste ano, pela primeira vez, Flor vai se casar no papel. "Casar marcará esse reinício de vida", resume Silva, que com a mulher pratica mergulho e arvorismo nos fins de semana. "Quero ter saúde para curtir tudo o que pudermos por mais trinta, quarenta anos", diz ela. E assim, pouco a pouco, o caminho já andado se transforma em alvorada de uma longa e profícua segunda metade da vida.



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