Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 10, 2008

Míriam Leitão - Sutis diferenças



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
10/7/2008

O primeiro movimento do presidente George Bush foi avisar, mais uma vez, que é contra a ampliação do G-8. Mas os fatos se impuseram. Na prática, está ficando claro que o mundo caminha para uma ampliação do grupo de países líderes. Alguém sinceramente acha que é possível manter a idéia de que o G-8 é o grupo dos países mais poderosos do mundo se lá não está a China? Pode-se dizer que, em renda per capita, a China não é um país rico, mas em PIB já passou vários do clubinho. Em relevância, é um dos maiores. O que acontece lá repercute nos outros países, mais até do que os acontecimentos do Japão, segundo maior PIB do mundo.

Nos últimos anos, o resto do mundo cresceu e ficou mais importante, enquanto os Estados Unidos ficaram relativamente menores. Países como China, Índia, Brasil não podem mais ser ignorados. Se a esse grupo se somarem México, África do Sul e Coréia, chega-se num G-14.

Se o debate for mudança climática, esses países, mais a Indonésia, por causa da destruição da segunda maior floresta tropical úmida do mundo, representam 60% das emissões de CO2. Se for só os gases de efeito estufa relacionados com a produção de energia, esses países são 70% das emissões. Portanto, é mais razoável chegar a um acordo neste grupo que tentar um acordo entre todos os 190 países da ONU.

Não foi desta vez, pode-se dizer. Mas houve algum avanço. O presidente Bush, no seu ocaso, despediu-se já de suas idéias. Ele negava a mudança climática, mobilizou e patrocinou todos os cientistas que se dispusessem a dizer isso. Houve denúncia até de casos de censura dentro dos órgãos científicos oficiais. Porém o documento do G-8 reconheceu o diagnóstico do IPCC, que não só atesta a existência do fenômeno, como diz que há 95% de certeza de que é causado pelo ser humano. O grupo aceitou também uma meta. Imperfeita, vaga, de longo prazo, mas meta. O texto fala em redução em 50% das emissões até 2050. Não disse nem a partir de que níveis (1990?, 2008?), nem como chegar lá, com que metas intermediárias. Mas já é um avanço e mostra que a posição dos Estados Unidos começa a mudar de véspera: qualquer que seja o eleito este ano, será alterada para melhor a posição do país em relação ao tema.

No documento proposto pelo G-5, o grupo dos países em desenvolvimento, eles garantiram que levam a questão da mudança climática a sério, mas não mudaram - e seria um milagre se mudassem - o princípio das "responsabilidades comuns, mas diferenciadas", que tem sido o guarda-chuva da rejeição de metas pelos países menos desenvolvidos. Com a China virando o maior poluidor do planeta e com o Brasil tendo no desmatamento sua maior fonte de emissão, fica claro que o melhor para todos seria que também os países de industrialização tardia adotassem metas. O G-5 fala, porém, em adotar "mecanismos de mitigação e ações de adaptação para garantir o desenvolvimento sustentado". Nos biocombustíveis, admite que "são oportunidade", e não risco. E tocam num ponto importante: a necessidade de organizações para prevenir crises como as que estamos vivendo neste momento, na área financeira e de inflação de alimentos.

O mundo vive claramente problemas de governança. As instituições que deveriam prevenir crises, ou administrar a solução delas, gastam todo seu tempo em relatórios constatando que há crises. Ora, para essa conclusão, não precisamos delas. FMI, Banco Mundial, ONU, OCDE e BIS, nas últimas reuniões, fizeram apenas repetir que temos uma crise financeira, inflação de alimentos e alta do petróleo. O BIS, que reúne os bancos centrais, foi um pouco além: admitiu que faltou fiscalização e transparência sobre os novos produtos financeiros que estão na origem das turbulências atuais. O FMI, que veio ao mundo para prevenir crises assim - ou resolvê-las -, está paralisado pela própria impotência. Foi tão competente em criar mecanismos para forçar os países endividados a pagar suas contas aos bancos e organismos multilaterais e tão incapaz de enfrentar uma crise nascida no país central, que é o maior dos seus cotistas. No seu documento, o G-8 convida as instituições multilaterais a trabalharem para enfrentar as crises mundiais. Contudo o que pede mesmo é que o FMI estenda sua supervisão sobre os Fundos de Riqueza Soberana, esses novos seres que surgiram no mundo globalizado.

Para quem espera muito de reuniões diplomáticas fica sempre uma sensação de decepção; para quem não espera muita coisa algumas delas trazem surpresas. Em outras reuniões, crises emergenciais deixaram a questão climática de lado. Desta vez, apesar do choque de petróleo, da alta de alimentos, dos tremores financeiros nos Estados Unidos, da gafe da Casa Branca, de o presidente americano estar na reta final, os comunicados dos dois lados - mais até o do G-8 - dedicaram longo espaço à mudança climática. E o G-8 chegou a falar em "compromissos" de assumir "forte liderança" para combater seus efeitos. O planeta não pode esperar muito tempo, mas quem sabe o senso de urgência chegue no próximo encontro.

Se não tivesse servido para mais nada, a reunião do G-8 valeria pelo surto de sinceridade que atingiu a Casa Branca no texto que divulgou sobre Silvio Berlusconi. Depois vieram os pedidos de desculpas, mas o texto oficia

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