Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 15, 2008

Luiz Garcia - Torcidas




O Globo
15/7/2008

Eu sou Mangueira e Flamengo, você é Portela e Botafogo. São escolhas que não pedem qualquer justificativa. É meio diferente com outra opção que está no ar. Você torce por Gilmar Mendes ou Fausto de Sanctis? Prefere o ministro que manda soltar os poderosos, ou o juiz que os prende?

Por duas vezes, o primeiro mandou prender o banqueiro Daniel Dantas. E duas vezes o segundo mandou que o libertassem.

Não é divergência polida. O ministro acusa o juiz de mau comportamento, e já pediu que fosse investigado por suposto desvio de conduta profissional dele. Protestaram 130 juízes federais: Gilmar, afirmaram, com isso põe em risco a independência do Judiciário.

Nós, da arquibancada, temos a mania de procurar simplificar assuntos complexos. O que pode levar a erros graves. Por exemplo, o de ficar imaginando que neste país é mais difícil prender um banqueiro milionário do que um Zé Mané qualquer.

De qualquer maneira, o dinheiro não entra de graça na discussão. Afinal, quando estava sob prisão provisória, Dantas ofereceu um milhão de dólares a policiais para o deixarem escapar. Foi o que eles contaram e o juiz acreditou - e concluiu que um acusado, com esse dinheiro na mão e a disposição de usá-lo para subornar delegados, tinha mesmo de ficar preso: não mais provisoriamente, mas preventivamente. Para prevenir tentativas de suborno.

Não seria correto reduzir a questão a uma relação direta entre fortuna e impunidade. Muito dinheiro também têm alguns traficantes e contrabandistas devidamente investigados, processados e condenados. Mas o combate a crimes exclusivamente financeiros envolvendo dinheiro realmente grosso é outra história. Quantos escândalos do gênero terminaram em cadeia pesada? E quantos tiveram como castigo apenas uma redução de patrimônio e um desconfortável exílio das festas e das colunas sociais?

O caso Daniel Dantas tem mesmo uma importância que vai além do debate técnico entre juristas. Não seria justo esperar que o banqueiro fosse tratado com rigor excessivo apenas para se dar um exemplo da indiferença dos tribunais ao seu status financeiro e seu colarinho branco.

Seria apressado e injusto imaginar que o ministro do STF tenha tomado suas decisões por achar que a lei, além de ser igual para todos, deve ser mais igual para milionários. Não há prova alguma disso. Também não as há de que o juiz -- que tem folha corrida notável e visível prestígio nos meios jurídicos - esteja agindo de forma demagógica. Mesmo advogados que o acusam de ter uma postura ideológica no combate a crimes de colarinho branco reconhecem que suas sentenças são tecnicamente impecáveis.

Aqui na arquibancada, os juridicamente ingênuos só podem torcer, instintiva e humildemente. Eu sou Mangueira, Flamengo e de Sanctis. E você?

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