Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 09, 2008

A lei é chata, mas é lei - Zuenir Ventura




O Globo
9/7/2008

Pesquisas revelam que os índices de acidentes de trânsito caíram até 20% nestes últimos 15 dias, desde que passou a vigorar a Lei Seca. Em SP, o número de vítimas diminuiu 55%. Só por isso a iniciativa já teria valido a pena. Considerando que no Brasil as coisas funcionam por impacto ou choque, de que outra maneira se conseguiria uma redução como a anunciada? Como fazer para que o país das bandalhas no trânsito deixe de ser recordista de acidentes? Como evitar 40 mil mortes e 350 mil feridos por ano, ao custo de R$5 bilhões? É conhecida a rebeldia dos motoristas brasileiros à disciplina no uso do automóvel, mas isso não quer dizer que o parisiense ou o nova-iorquino sejam mais bem-educados do que nós, e sim que estão sujeitos a uma implacável punição. Aprenderam pagando.

A experiência de outros países ensina que os nossos níveis de transgressão motorizada não se resolvem com campanhas educativas, mas com repressão. Nessa matéria, o castigo da lei é a melhor educação. Para dar apenas um exemplo emblemático: não foi certamente por falta de aprendizado, por não saber distinguir entre o certo e o errado, que há tempos um promotor de Araçatuba, dirigindo bêbado, na contramão e em alta velocidade, atropelou, arrastou por quinze metros e matou um casal e uma criança de sete anos que iam numa motocicleta. Ele sabia das conseqüências prováveis da combinação álcool e direção, mas confiava na impunidade.

Há os que reclamam do rigor da nova legislação, e de fato ela devia ser mais flexível. Mas ainda é preferível esse excesso que não causa mortes, do que a leniência mortal. Além do mais, é sempre possível corrigir as alegadas "aberrações", mas não as vidas perdidas. Acho que o verdadeiro risco é quando cessar o efeito da novidade e tudo voltar ao normal. No Brasil, como se sabe, vigora o princípio e a prática de que há as leis que pegam e as que não pegam. A da exigência do cinto de segurança pegou; já a da proibição do uso do celular ao volante, não.

É curioso ver os argumentos de muitos que se opõem às restrições. Usam sempre a lógica do eu posso beber porque quem fica de porre é o outro. "Bebo há 35 anos e nunca provoquei um acidente", declarou um senhor, como se isso fosse garantia de que não haveria uma primeira vez. "Eu sei quando parar", disse outro, como se esse não fosse o papo de todo bebum já trocando as pernas e garantindo: "eu estou sóbrio". Em suma, essas pessoas querem uma lei personalizada, só para elas.

Admito que as mudanças de hábito que nos estão sendo impostas sejam uma chatice. Outro dia saímos com o Luis Fernando Verissimo e ele não pôde beber nem uma taça do vinho que escolheu para a mesa, pois estava dirigindo. Há coisa mais injusta do que jantar com o Verissimo a seco?

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