Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 12, 2008

Irã-O campo de batalha está pronto


O Irã ainda não tem a bomba nuclear. Mas já exibe mísseis que podem atingir Israel. O tempo da diplomacia pode estar no fim


Duda Teixeira

AP
ELES TÊM MÍSSEIS...
A foto real do teste iraniano na quarta-feira passada mostra que um dos foguetes falhou no momento do disparo
AFP
...MAS NÃO SÃO TANTOS ASSIM
Na foto divulgada pelo Irã, a imagem foi manipulada para ocultar a falha. Os trechos em vermelho são cópias das áreas em amarelo


VEJA TAMBÉM
Nesta reportagem
Quadro: O coração nuclear da crise

Se demonstrações de força e ameaças verbais são indicativos de que uma luta é iminente, então o mundo pode esperar o Oriente Médio pegar fogo mais uma vez. Durante dois dias, na semana passada, o Irã testou mísseis de médio e longo alcance nas proximidades do Estreito de Ormuz, a rota pela qual passa 40% do comércio global de petróleo. Os testes incluíram uma nova versão do míssil balístico Shahab-3, que, garantem os iranianos, agora alcança 2.000 quilômetros. O recado dos foguetes era curto e brutal: se as instalações nucleares do Irã forem bombardeadas, a retaliação será terrível. O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, ameaçou queimar Tel Aviv e atacar interesses vitais dos Estados Unidos na região e ao redor do mundo. A salva de mísseis e bravatas foi uma resposta de Teerã a manobras militares realizadas por Israel no mês passado. Uma centena de aviões de combate, aviões-tanque e helicópteros de busca e resgate israelenses avançou mais de 1.300 quilômetros no Mediterrâneo, simulando um ataque aéreo de longo alcance. A distância percorrida pelos aviões foi a mesma existente entre Israel e as instalações nucleares de Esfahan, no Irã. A leitura dessas manobras é a de que Israel efetuou o ensaio geral de seu plano para eliminar, de uma vez por todas, a ameaça nuclear iraniana.

Saman Aghvami/AP
A fúria fanática de Ahmadinejad: "Israel será varrido do mapa"


O que faz rufar os tambores é a sensação geral de que as possibilidades de uma solução pacífica para o problema estão se esgotando. As Nações Unidas, com respaldo americano e europeu, querem que Teerã permita inspeções internacionais em suas instalações nucleares e suspenda o enriquecimento de urânio, material que pode ser usado numa arma nuclear. O Irã responde com a maquiavélica tática de prolongar as conversações com idas e vindas, de modo a manter os negociadores sem ação. Os diplomatas estão num impasse. Um aperto nas sanções internacionais teria pouco efeito. Com o preço do barril a 144 dólares, não há como levar à penúria o quarto maior produtor mundial de petróleo. É também improvável que o regime iraniano, teimoso e cheio de brios, vá ceder diante de ameaças de ataques americanos e israelenses.

O que os iranianos querem fazer com o átomo? A simples suposição de que os aiatolás possam vir a dominar a tecnologia das armas nucleares coloca o mundo em suspenso. A bomba representa uma ameaça para todos os países do Oriente Médio. Para os israelenses, a possibilidade de que um dia os mísseis iranianos carreguem ogivas nucleares é o fator que determinará a sobrevivência ou não de seu país. O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, um muçulmano perturbado por visões apocalípticas, adotou como mote a promessa de que Israel será varrido do mapa. Esse discurso está se tornando monocórdio no Irã. "Khamenei costumava ser cauteloso, mas começou a apoiar as palavras de Ahmadinejad ao ver que seus inimigos tradicionais, o Iraque e o Afeganistão, estão muito enfraquecidos", disse a VEJA o americano Patrick Clawson, autor do livro Irã Eterno: Continuidade e Caos (sem tradução para o português).

Ao ouvir o clamor genocida de Teerã, é compreensível que os israelenses possam considerar que simplesmente já não há mais escolha, exceto o ataque. Na semana passada, ao reagir aos testes balísticos do Irã, Ehud Barak, ministro de Defesa israelense, afirmou que Israel "é o país mais forte da região e no passado demonstrou que não tem medo de agir" se entende que sua segurança está sob ameaça. O cenário inicial do conflito é previsível: um ataque aéreo para destruir as instalações nucleares no Irã, a exemplo do que foi feito no Iraque, em 1981. A diferença é que o Irã reagiria com todo o seu poder de fogo e influência. Israel seria submetido a uma chuva de mísseis vindos do inimigo persa e também de seu cliente no Líbano, o Hezbollah. Em especial, a 5ª Frota americana, que está nas águas do Golfo Pérsico, seria alvo dos mísseis de cruzeiro do arsenal iraniano, contra os quais não dispõe de defesas efetivas.

Fotos Wathiq Khuzaie/Getty Image e Hulton Archive/Getty Image
Manifestação xiita em Bagdá e, acima, refém da ocupação da embaixada americana em Teerã, em 1979: aiatolás contra o "Grande Satã"


Com poucos meses de mandato pela frente, o governo do presidente George W. Bush estaria disposto a correr o risco? Na terça-feira passada, citando um "alto oficial", a rádio do Exército de Israel afirmou que Bush e seu vice, Dick Cheney, são da opinião de que é hora da opção militar. Mas enfrentam a oposição dos secretários Robert Gates, da Defesa, e Condoleezza Rice, de Estado. Há boas razões para cautela. O Irã promete ser um atoleiro ainda maior que o Iraque, com duas vezes a população do vizinho e um território quatro vezes maior. A guerra com os aiatolás, de qualquer forma, pode já estar sendo travada por outros meios. Em um artigo publicado na última edição da revista New Yorker, Seymour Hersh, que há décadas é considerado o jornalista mais bem informado sobre os bastidores do Pentágono, escreveu que a CIA já desenvolve operações secretas dentro do Irã. Segundo ele, Bush obteve do Congresso a liberação de 400 milhões de dólares no fim do ano passado para ações clandestinas com o objetivo de desestabilizar o regime xiita. Os espiões estariam repetindo uma estratégia que deu certo nas áreas tribais da fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão: a de financiar grupos dissidentes dispostos a eliminar figuras preeminentes do regime, como membros da Guarda Revolucionária.

A diferença entre as duas situações é que no Afeganistão há uma guerra com inimigo bem definido: o Talibã e seus aliados da al Qaeda, que atacaram os Estados Unidos. No Irã, diz Hersh, foram cooptados separatistas étnicos, especialmente das minorias balúchi e árabe. Os espiões americanos parecem ter desprezado o fato de se tratar de fundamentalistas sunitas que compartilham o ódio de Osama bin Laden e do Talibã pelos muçulmanos xiitas, que no Irã representam quase 90% da população. Dessa forma, a CIA estaria de volta ao cenário de uma das raras operações realmente bem-sucedidas da história da agência. Em 1953, com farta distribuição de dinheiro e muita intriga, o serviço secreto americano armou o golpe que depôs um primeiro-ministro esquerdista e muito popular. Em parte por causa desse pecado original, os aiatolás xiitas puderam sustentar durante décadas que o impopular regime do xá Mohammad Reza Pahlevi devia sua existência aos Estados Unidos. O resultado é que acusar a CIA por todo tipo de mazela se tornou um comportamento natural entre os iranianos. A ameaça representada pelo "Grande Satã" continua a ser um motivo de coesão nacional e de sustentação do regime teocrático xiita.

Caso Israel tome a iniciativa de liquidar com os planos nucleares do Irã, os americanos não terão saída, exceto apoiar o país. "Levamos muito a sério a obrigação de defender nossos aliados e temos a intenção de fazê-lo", afirmou a secretária de Estado Condoleezza Rice, na semana passada. Israel teria também o consentimento de muitos países da região, como a Turquia e os árabes de maioria sunita. Alguns deles já estiveram em Jerusalém para dizer que não se oporiam a um ataque ao Irã. Além do pavor de um aiatolá atômico, essas nações possuem minorias xiitas que são ou podem se tornar fonte de problemas. O Irã dá apoio financeiro, armas e treinamento aos terroristas xiitas do Hezbollah, que, a serviço de Teerã, promovem atentados no exterior e impedem a reconciliação entre as várias comunidades religiosas do país. No Iraque, os iranianos sustentam milícias que atacam civis sunitas e soldados iraquianos e americanos. "Os aiatolás querem atacar os americanos em qualquer lugar, menos no Irã", disse a VEJA o sociólogo e filósofo iraniano Mehdi Khalaji, pesquisador do Washington Institute, nos Estados Unidos. "Eles sabem que a primeira conseqüência de um conflito militar direto seria a saída deles do poder." Está cada dia mais difícil para o mundo esperar para saber a que limites pode chegar a loucura nuclear dos aiatolás.



Certifica.com

Arquivo do blog