Ação desastrada da PM do Rio mata menino
de 3 anos no banco de trás do carro da mãe
Silvia Rogar
Fotos Marcelo Piu/CpDoc JB/AE, Marcelo Theobald/Ag. O Globo e Wilton Junior/AE |
João Roberto, em foto de família, seus pais no enterro e perfuração de bala no carro de sua mãe: foram dezessete tiros, sem confronto com bandidos, em um bairro residencial, deixando evidente a necessidade de se investir no treinamento da polícia do Rio de Janeiro |
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No domingo 6, a advogada carioca Alessandra Soares voltava de uma festa de família, quando uma perseguição policial cruzou seu caminho. Eram 19h30. Com os filhos de 9 meses e 3 anos no banco de trás do carro, ela já estava praticamente na esquina de casa, na Tijuca, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Em um edifício próximo, o circuito de TV registrou o que se transformaria em tragédia. Primeiro, um Fiat Stilo preto apareceu em disparada pela Rua General Espírito Santo Cardoso, que dá acesso a três favelas da região. Segundos depois, Alessandra encostou seu Palio Weekend cinza para dar passagem a uma viatura da PM. Em vez de continuar, o carro parou. Dois policiais saíram e começaram a atirar no automóvel da advogada. Alessandra jogou pela janela uma bolsa com pertences das crianças, para tentar mostrar que havia uma família ali. Mas os tiros só cessaram quando ela abriu a porta, aos gritos. Três balas tinham atingido seu filho João Roberto, de 3 anos. Ele morreu na segunda-feira, dias antes de seu quarto aniversário. O cabo William de Paula e o soldado Elias da Costa Neto disseram que o carro ficou sob fogo cruzado com os bandidos. Mas o laudo da perícia mostrou o que a gravação já deixara claro: não houve confronto. E, na lataria do carro de Alessandra, contam-se dezessete perfurações.
O desabafo do pai de João, o taxista Paulo Roberto Barbosa Soares, comoveu o país. Inconformado, ele perguntava na porta do hospital: "Que polícia é essa?". Boa pergunta. Sabe-se que polícias mais bem pagas e bem treinadas já protagonizaram desastres similares. Em novembro passado, dois moradores da região do Brooklyn, em Nova York, foram mortos no intervalo de uma semana. O primeiro, supostamente armado, carregava uma escova de cabelos; o segundo ameaçou policiais com uma garrafa de vinho. A tragédia de João Roberto, porém, trouxe à tona o despreparo generalizado da PM no Rio e provocou a conhecida onda de protestos contra a política de enfrentamento levada à frente pela Secretaria de Segurança Pública. É uma visão equivocada. O secretário José Mariano Beltrame, o primeiro a reconhecer a deficiência de formação de seus comandados, deixa claro que o campo de batalha não são as ruas da cidade. "O confronto tem de acontecer em áreas notoriamente conflagradas, em que a polícia entra preparada para combater milícias e o tráfico de drogas", diz.
O governo do Rio está certo em declarar guerra aos bandidos, e agiu com rapidez ao determinar o afastamento de William e Elias, indiciados por homicídio doloso qualificado. O governador Sérgio Cabral anunciou que oficiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) darão cursos aos homens que atuam nas ruas. É verdade que a decisão de investir na formação dos policiais não foi tomada por causa do crime da semana passada. Mas também é verdade que, no primeiro ano e meio de mandato, o treinamento ficou em segundo plano. É fundamental, a partir de agora, levá-lo a sério. Com trapalhões despreparados nas ruas, vai ser difícil para o Rio vencer essa duríssima batalha.