O Estado de S. Paulo |
18/7/2008 |
Desde 1823, a cada quatro ou seis anos, a Argentina enfrenta uma crise política. “Seis foram muito profundas, 11 foram profundas e 11, suaves, com impacto sobre o PIB”, observa o economista Dante Sica, da consultoria Abeceb, de Buenos Aires. A do momento é a 29ª. Falta saber qual é a sua intensidade. A rejeição pelo Senado argentino, na madrugada de ontem, da Resolução 125, que em março aumentou o Imposto sobre as Exportações (retenciones), não põe fim à crise que paralisa o país há 120 dias. Por ora, a revogação da resolução, que se espera agora do governo, não deve provocar alterações significativas na política econômica do governo. Se fosse confirmado, o aumento do imposto propiciaria arrecadação extra de US$ 2,5 bilhões em 12 meses, verba que o governo central não precisaria compartilhar com as províncias. É importância modesta diante da arrecadação anual de cerca de US$ 70 bilhões. É difícil acreditar que, para defendê-la, o governo argentino tenha aturado tanto desgaste. Em todo o caso, a quebra de arrecadação exigirá mais cuidado no manejo das contas públicas. É verdade que a Resolução 125 cumpria outras funções. A mais importante era contribuir para manter mais baixos os preços dos alimentos. Entenda-se: quanto maior o confisco do exportador, mais baixo o preço pelo qual o agricultor pode vender seu produto internamente. A revogação da resolução pode puxar algo mais a inflação, porque os preços internos subirão. É prematuro afirmar que a solução do conflito, embora com enorme derrota política para o governo de Cristina Kirchner, abrirá o caminho para a normalização da vida econômica e política da Argentina. O clima de incerteza que perdurou 120 dias não só bloqueou as estradas e freou o consumo. Também estrangulou o processo de decisão. “Quando a dispersão desse clima hostil acontecer, o governo argentino poderá, afinal, retomar sua agenda econômica, indispensável para garantir os investimentos na área energética e incentivar o consumo adiado pelas classes médias”, afirma Sica. É possível que alguma coisa mude também na área cambial. Antes da crise, o banco central argentino tratava de manter o dólar entre 3,15 e 3,20 pesos. Quando os produtores agrícolas bloquearam as estradas, o banco central derrubou o dólar para a faixa dos 3,00 pesos, manobra que foi entendida como vingança do governo contra o jogo dos exportadores. Essa valorização do peso pode ter sido, também, manobra necessária para reduzir ainda mais os preços internos dos alimentos e, portanto, para conter a inflação. De qualquer maneira, o tranco maior não é econômico; é político. “É preciso ver até que ponto o governo vai engolir a derrota. E é preciso ver, também, se os produtores rurais se conformarão com essa primeira vitória ou se, diante da fragilidade do governo, não aprofundarão seu movimento e, nessas condições, aprofundarão a crise atual”, diz Sica. O estilo Kirchner de governar, que adora o confronto, parece esgotado. Sabe-se lá o que vem agora.
CONFIRA Mergulho - Os preços do petróleo acumulam baixa de 11% em três dias. Mas a derrubada atingiu quase todas as commodities. Por trás disso está a idéia de que a atividade econômica global vai desacelerar e exigir menos energia e matérias-primas |
Entrevista:O Estado inteligente
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