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Pradópolis/SP
Dolce vita em volta
de uma usina de açucar
Cidade mostra como conciliar cana,
desenvolvimento social e ecologia
Victor De Martino
Fotos Alexandre Schneider |
O metalúrgico Luiz dos Santos e seu filho Maicon: o rapaz, que começou como estagiário, galgou um posto superior ao de seu pai |
Há um paraíso perdido em um mar de cana no noroeste de São Paulo. Em Pradópolis, não há desemprego. Todos os 15 000 habitantes são atendidos por água tratada e rede de esgoto. Até as ruas onde ainda não há casas são asfaltadas, arborizadas e com infra-estrutura instalada. Ninguém mora em barracos, muito menos na rua. A criminalidade é desprezível. A prefeitura mantém o melhor hospital da região, com médicos de todas as especialidades. A mortalidade infantil é 30% menor que a média paulista. A taxa de analfabetismo é um terço do índice nacional. Todas as crianças estão matriculadas em escolas públicas, boa parte delas em tempo integral. As que estudam meio período aproveitam o resto do dia para praticar esporte no clube municipal, o mesmo no qual o ídolo local, o lateral Cicinho, da Roma, acertou seus primeiros chutes. Uma academia de ginástica sustentada pela prefeitura é freqüentada principalmente por mulheres e aposentados. No fim da tarde, boa parte da turma da academia se reúne nas praças para jogar bingo. É tempo, então, de os trabalhadores que operam as máquinas das lavouras de cana e os funcionários das cinco usinas de açúcar e álcool das redondezas voltarem para casa. De bicicleta.
O setor sucroalcooleiro viveu um espetacular crescimento nesta década. Poucos lugares souberam explorar tão bem a bonança quanto Pradópolis. Desde 2000, o PIB e a arrecadação de impostos municipais triplicaram. A prefeitura usou a receita extra para ampliar o hospital, construir uma creche, reformar o distrito industrial e dar início a uma nova rodoviária, que deve ser inaugurada nos próximos meses. Os novos investimentos garantirão a manutenção da infra-estrutura criada pelos primeiros administradores da cidade. Pradópolis é uma espécie de feudo da família Ometto. Eles são primos do empresário Rubens Ometto, dono da Cosan, a líder mundial em álcool. Os Ometto de Pradópolis também estão entre os grandes fabricantes de derivados da cana, mas não têm negócios em comum com o primo famoso. Entraram de vez no ramo em 1949, ao comprar a Fazenda São Martinho, que hoje é a segunda maior indústria canavieira do país. Naquele tempo, suas terras ainda pertenciam ao também anônimo município de Guariba. Dez anos depois, os Ometto conseguiram emancipar a vila fundada pela família Prado, antiga dona da São Martinho.
Até 1996, os Ometto impuseram todos os prefeitos do município, que se dividiam entre suas responsabilidades da vida pública e suas obrigações como diretores da São Martinho. Os Ometto passaram a tratar Pradópolis como seu cartão de visita. Nos anos 70, a usina arcou com parte das despesas de construção de um anel viário que evitou o tráfego de caminhões de cana pelo centro da cidade. Com os impostos pagos pela usina, os prefeitos praticamente nomeados pelos Ometto elaboraram um plano piloto, abriram praças e ruas largas e instalaram uma estação de tratamento de esgoto. "Eles sempre levavam todos os empresários que visitavam a usina para conhecer a cidade", conta o advogado Paulo César David. Os Ometto também providenciaram o povoamento de Pradópolis. No início, importaram mão-de-obra dos centros produtores de cana do Nordeste. O pai de David, José, veio de Alagoas e incentivou seu filho a trabalhar na São Martinho. Ele começou como mecânico. A usina pagou seu curso de direito e a prefeitura forneceu o transporte para a faculdade. Aos 43 anos, David atua como advogado trabalhista da empresa. Cansado de procurar trabalho, o metalúrgico Luiz dos Santos mudou-se para Pradópolis em 1985. Arranjou emprego para si. Depois, emplacou seu filho Maicon como estagiário quando ele tinha apenas 16 anos. A usina pagou sua graduação em administração. Onze depois, Maicon é um dos analistas de recursos humanos da São Martinho.
Aula de hip hop: um dos muitos cursos oferecidos pela prefeitura para manter as crianças por mais tempo na escola |
A cana-de-açúcar foi o combustível da expansão econômica e populacional de vinte das 500 cidades brasileiras que mais cresceram nesta década. Pradópolis encabeça a lista porque adotou novas soluções de produção de açúcar e álcool e de gestão pública. O corte manual da cana está com os dias contados. Hoje, 85% da colheita já é mecanizada. Quando as colheitadeiras começaram a substituir os bóias-frias no campo, as usinas requalificaram a maioria deles, fornecendo programas de estudos e cursos técnicos profissionalizantes. Resultado: alguns dos demitidos chegaram mesmo a ter vantagens. Durante sete anos, Helio do Nascimento cortou cana para a São Martinho. Agora, ganha o dobro dirigindo colheitadeiras. Uma parte dos dispensados encontrou trabalho em outras fazendas e usinas da região. O desemprego decorrente da mecanização se tornou marginal. Pradópolis também tomou medidas para proteger o meio ambiente. Aboliu a prática secular da queima dos canaviais em tempo de safra, que é extremamente poluente. Com o bagaço de cana, a São Martinho produz toda a energia que consome e vende um excedente capaz de abastecer uma cidade de 30 000 habitantes. Pradópolis prova, assim, que é possível combinar a produção maciça de açúcar e etanol com desenvolvimento social.