Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 19, 2008

Cana Doce vida ao redor das usinas

2. O novo ciclo da cana

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Pradópolis/SP
Dolce vita em volta
de uma usina de açucar

Cidade mostra como conciliar cana,
desenvolvimento social e ecologia


Victor De Martino

Fotos Alexandre Schneider
O metalúrgico Luiz dos Santos e seu filho Maicon: o rapaz, que começou como estagiário, galgou um posto superior ao de seu pai

Há um paraíso perdido em um mar de cana no noroeste de São Paulo. Em Pradópolis, não há desemprego. Todos os 15 000 habitantes são atendidos por água tratada e rede de esgoto. Até as ruas onde ainda não há casas são asfaltadas, arborizadas e com infra-estrutura instalada. Ninguém mora em barracos, muito menos na rua. A criminalidade é desprezível. A prefeitura mantém o melhor hospital da região, com médicos de todas as especialidades. A mortalidade infantil é 30% menor que a média paulista. A taxa de analfabetismo é um terço do índice nacional. Todas as crianças estão matriculadas em escolas públicas, boa parte delas em tempo integral. As que estudam meio período aproveitam o resto do dia para praticar esporte no clube municipal, o mesmo no qual o ídolo local, o lateral Cicinho, da Roma, acertou seus primeiros chutes. Uma academia de ginástica sustentada pela prefeitura é freqüentada principalmente por mulheres e aposentados. No fim da tarde, boa parte da turma da academia se reúne nas praças para jogar bingo. É tempo, então, de os trabalhadores que operam as máquinas das lavouras de cana e os funcionários das cinco usinas de açúcar e álcool das redondezas voltarem para casa. De bicicleta.

O setor sucroalcooleiro viveu um espetacular crescimento nesta década. Poucos lugares souberam explorar tão bem a bonança quanto Pradópolis. Desde 2000, o PIB e a arrecadação de impostos municipais triplicaram. A prefeitura usou a receita extra para ampliar o hospital, construir uma creche, reformar o distrito industrial e dar início a uma nova rodoviária, que deve ser inaugurada nos próximos meses. Os novos investimentos garantirão a manutenção da infra-estrutura criada pelos primeiros administradores da cidade. Pradópolis é uma espécie de feudo da família Ometto. Eles são primos do empresário Rubens Ometto, dono da Cosan, a líder mundial em álcool. Os Ometto de Pradópolis também estão entre os grandes fabricantes de derivados da cana, mas não têm negócios em comum com o primo famoso. Entraram de vez no ramo em 1949, ao comprar a Fazenda São Martinho, que hoje é a segunda maior indústria canavieira do país. Naquele tempo, suas terras ainda pertenciam ao também anônimo município de Guariba. Dez anos depois, os Ometto conseguiram emancipar a vila fundada pela família Prado, antiga dona da São Martinho.

Até 1996, os Ometto impuseram todos os prefeitos do município, que se dividiam entre suas responsabilidades da vida pública e suas obrigações como diretores da São Martinho. Os Ometto passaram a tratar Pradópolis como seu cartão de visita. Nos anos 70, a usina arcou com parte das despesas de construção de um anel viário que evitou o tráfego de caminhões de cana pelo centro da cidade. Com os impostos pagos pela usina, os prefeitos praticamente nomeados pelos Ometto elaboraram um plano piloto, abriram praças e ruas largas e instalaram uma estação de tratamento de esgoto. "Eles sempre levavam todos os empresários que visitavam a usina para conhecer a cidade", conta o advogado Paulo César David. Os Ometto também providenciaram o povoamento de Pradópolis. No início, importaram mão-de-obra dos centros produtores de cana do Nordeste. O pai de David, José, veio de Alagoas e incentivou seu filho a trabalhar na São Martinho. Ele começou como mecânico. A usina pagou seu curso de direito e a prefeitura forneceu o transporte para a faculdade. Aos 43 anos, David atua como advogado trabalhista da empresa. Cansado de procurar trabalho, o metalúrgico Luiz dos Santos mudou-se para Pradópolis em 1985. Arranjou emprego para si. Depois, emplacou seu filho Maicon como estagiário quando ele tinha apenas 16 anos. A usina pagou sua graduação em administração. Onze depois, Maicon é um dos analistas de recursos humanos da São Martinho.

Aula de hip hop: um dos muitos cursos oferecidos pela prefeitura para manter as crianças por mais tempo na escola

A cana-de-açúcar foi o combustível da expansão econômica e populacional de vinte das 500 cidades brasileiras que mais cresceram nesta década. Pradópolis encabeça a lista porque adotou novas soluções de produção de açúcar e álcool e de gestão pública. O corte manual da cana está com os dias contados. Hoje, 85% da colheita já é mecanizada. Quando as colheitadeiras começaram a substituir os bóias-frias no campo, as usinas requalificaram a maioria deles, fornecendo programas de estudos e cursos técnicos profissionalizantes. Resultado: alguns dos demitidos chegaram mesmo a ter vantagens. Durante sete anos, Helio do Nascimento cortou cana para a São Martinho. Agora, ganha o dobro dirigindo colheitadeiras. Uma parte dos dispensados encontrou trabalho em outras fazendas e usinas da região. O desemprego decorrente da mecanização se tornou marginal. Pradópolis também tomou medidas para proteger o meio ambiente. Aboliu a prática secular da queima dos canaviais em tempo de safra, que é extremamente poluente. Com o bagaço de cana, a São Martinho produz toda a energia que consome e vende um excedente capaz de abastecer uma cidade de 30 000 habitantes. Pradópolis prova, assim, que é possível combinar a produção maciça de açúcar e etanol com desenvolvimento social.

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