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Camaçari/BA
Cidade com novo motor
A Ford injeta ânimo num decadente pólo petroquímico
Duda Teixeira
Fotos Manoel Marques |
Os carros produzidos pela multinacional na Bahia e seus frutos sociais: a prefeitura melhorou a educação e passou a fornecer cursos alternativos, como o balé |
Há dez anos, Maria das Graças Oliveira pensava em fechar as portas do seu restaurante, o Ki-Mukeka, e deixar Camaçari, cidade de 220 000 habitantes. Sua clientela minguava desde que os produtos do pólo petroquímico da cidade começaram a perder mercado para similares importados, no início dos anos 90. Nove mil dos 15 000 empregos do pólo haviam simplesmente desaparecido. Maria das Graças resolveu manter o restaurante funcionando depois que a Ford anunciou que construiria ali uma fábrica. Em uma década, a montadora e seus 31 fornecedores reduziram o desemprego em 10 pontos porcentuais, criando quase 9 000 vagas. Para atender essa nova clientela, Maria das Graças trocou o fogão de três bocas por dois de seis bocas cada um. O número de funcionários do Ki-Mukeka saltou de três para onze. Para fazer seu restaurante progredir, a empresária precisou de uma inovação tecnológica. O prato que dá nome ao estabelecimento demorava meia hora para ficar pronto. Maria das Graças criou, então, a "moqueca expressa", que chega à mesa em cinco minutos e se tornou uma das opções preferidas dos funcionários da indústria automotiva. "Ou a baiana aqui aprendia a ser rápida ou perdia a freguesia", diz a empresária.
A montadora trouxe 2 bilhões de dólares em investimentos privados para Camaçari. Em 2003, apenas dois anos depois de a Ford iniciar suas atividades, o PIB do município ultrapassou o de Salvador. Manteve-se como o maior do estado por quatro anos. Cresceu 80% nesta década. Camaçari passou por um surto de expansão que só havia conhecido durante a instalação do seu pólo petroquímico, em 1978. Daquela vez, atraiu 60 000 imigrantes. Desta, já repetiu a marca. A diferença entre o primeiro surto de desenvolvimento e o atual é a qualidade. Nos anos 70, a maioria dos funcionários morava e gastava em Salvador. Por isso, o pólo enriqueceu Camaçari, mas não seus habitantes. Só 3% das suas casas estavam conectadas à rede de esgoto. A maior parte da população morava em favelas e os indicadores sociais eram aterradores. O enorme poder multiplicador da indústria automotiva ajuda a corrigir essas distorções.
A Ford poderia ter importado mão-de-obra de outros estados. Em troca de benefícios fiscais, recrutou e qualificou os trabalhadores locais, que já eram mais baratos. Nada menos que 90% dos funcionários da companhia residem em Camaçari ou na sua vizinhança. A maioria desse pessoal foi selecionada entre jovens cuja carteira de trabalho nunca havia sido assinada. Cada emprego criado pela montadora abriu dois novos postos formais de trabalho em empresas de Camaçari. Com salário e perspectivas de carreira, essa turma foi às compras. Há quatro anos, duas concessionárias vendiam motos novas e usadas na cidade. Agora, Camaçari tem seis revendedoras. Nenhuma delas oferece mais produtos de segunda mão. Muitos dos que compraram moto nos primeiros anos da Ford na cidade já estão trocando de veículo. Para atendê-los, foram abertas dez lojas de carros nesta década. Desde 2000, a frota de veículos aumentou espantosos 130%. E, como não poderia deixar de ser, o consumo de combustível aumentou e ensejou a abertura de novos postos. Quinze, ao todo. "Quem andava a pé comprou moto e quem tinha moto comprou carro", diz Maurício Costa, que abriu seu terceiro posto.
A Ford começou um novo ciclo de treinamento de pessoal. Em três anos, seu Centro de Desenvolvimento de Produtos precisa contratar 2 000 engenheiros. Eles desenharão os veículos que a montadora lançará no futuro, desde os detalhes aerodinâmicos até as peças do motor. É um trabalho próprio para profissionais de ponta. Muitos dos funcionários desse departamento têm doutorado. Para encontrar gente com essa qualificação, a empresa firmou acordos com universidades do Nordeste e do Centro-Oeste. "Montadoras como a Ford geraram uma demanda sem precedentes por mão-de-obra qualificada fora de São Paulo", diz Letícia Costa, responsável por analisar o setor automotivo para a consultoria Booz & Company. Além da proximidade do Porto de Aratu, Camaçari tinha pouco a oferecer à Ford. Para conquistá-la, a Bahia concedeu imensos benefícios fiscais, mas deu fôlego à sua economia e à do município.