Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 10, 2007

QI: o debate burro sobre a inteligência

Pense bem antes...

...de entrar em um debate sobre quem
é mais inteligente. É grande o risco
de falar (e ouvir) bobagem

Mapa das funções mentais em voga entre os frenologistas do século XIX: chute

Pode haver discussões burras sobre inteligência? Sim. Elas são mais comuns do que discussões profanas sobre religião. Recentemente, quem levantou mais uma dessas tertúlias estéreis foi James Watson, ganhador com Francis Crick do Nobel de Medicina em 1962 pela descoberta da estrutura de dupla hélice do DNA, a molécula da vida. O inglês Crick foi o gênio da dupla. O americano Watson, claro, o mais falante. "A inteligência dos africanos não é a mesma que a nossa", disse Watson ao jornal inglês Sunday Times. Desculpou-se, mas era tarde. Foi aposentado compulsoriamente da instituição de pesquisa a que pertencia. Seguiu-se então o falso debate sobre se uma raça é mais inteligente do que outra, quando tudo que se queria discutir era se ainda é possível, no mundo politicamente correto de hoje, fazer esse tipo de comparação. Não é. Até porque não se chega a lugar nenhum. Como e em que direção podem avançar as discussões sobre inteligência? As mais ponderadas e surpreendentes respostas vêm dos neodarwinistas, os sucessores intelectuais de Charles Darwin (1809-1882), pai da teoria da evolução.

Eles avançam porque superaram a questão de quem é mais inteligente para se dedicar a mapear por que as inteligências diferem entre si. O brasileiro Gilberto Freyre (1900-1987) fez a mesma coisa quando se recusou a comparar raças para confrontar culturas – isso em um tempo em que o cotejo da cor da pele, do volume cerebral e do formato dos crânio gozava de respeito científico, situação que perduraria nas universidades européias até depois da II Guerra Mundial, apesar da bárbara experiência eugenista de Adolf Hitler. Os neodarwinistas partem do pressuposto correto de que pode haver maior variação entre pessoas de uma mesma raça do que entre pessoas de raças diferentes. Eles querem dizer com isso, por exemplo, que um finlandês pode ser muito mais inteligente do que outro finlandês mas menos inteligente do que um negro.

Enterrada a comparação entre raças, pode-se tranqüilamente focar em comparar como povos diferentes desenvolveram inteligências diferentes. Para os neodarwinistas, isso significa estudar como a evolução humana trabalhou sobre as propriedades físicas e químicas do cérebro humano em cada etapa e em cada nicho onde as populações se isolaram através das eras. A partir daí, tudo fica mais fácil de entender. Os nativos da Polinésia e de certas partes da Amazônia vivem há dezenas de milhares de anos em ambientes naturais onde não existe e nunca existiu vantagem comparativa alguma em saber contar. Os povos dessas regiões chegaram até os dias de hoje sem que a evolução se tenha ocupado em selecionar entre os mais capazes de sobreviver aqueles com talento matemático. Resultado: muitos não sabem contar até cinco. Podem aprender? Sim, mas certamente não terão a mesma prodigiosa capacidade de raciocínio lógico e matemático de uma população que passou por um processo evolutivo completamente diferente – por um processo que, ao contrário dos polinésios, selecionou como mais aptos a sobreviver justamente aqueles indivíduos dotados de maior habilidade com números e outras abstrações lógicas. É o caso clássico dos judeus asquenazes, da Europa Central e Oriental. A explicação neodarwinista para o desempenho acima da média dos judeus asquenazes em testes de QI é bela e simples. Desde que se rebelaram contra a dominação romana no século I, os asquenazes passaram a maior parte de sua história fugindo de seus perseguidores. Para otimizar as probabilidades de escapar, os judeus errantes foram se especializando em riquezas cada vez mais fáceis de transportar. Assim, das peles chegaram aos metais preciosos, deles aos diamantes – e, finalmente, ao tesouro mais facilmente transportável, o intelecto. Nesse contexto puramente científico a frase de Watson ("A inteligência dos africanos não é a mesma que a nossa") não deveria causar nenhum furor. Mas, como se sabe, as discussões sobre inteligência tendem a ser burras.

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