Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 29, 2007

Míriam Leitão - Mundo novo



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
29/11/2007

Um comprador novo, com US$3 trilhões no bolso para comprar ativos. A principal economia do planeta ficando proporcionalmente menor em relação ao mundo. O dólar se desfazendo. As análises apostam no inédito: a economia mundial continuará crescendo, mesmo numa eventual crise nos Estados Unidos e em meio a um choque do petróleo. O mundo está muito mudado.

Tanto que está difícil para os analistas fazerem suas previsões. Normalmente, quando a economia americana engasgava, o mundo tossia. Quando os Estados Unidos desaceleravam, o mundo perdia ritmo e podia cair numa recessão. Os países em desenvolvimento sentiam mais rapidamente o baque pela dependência em relação ao mercado americano. Qualquer choque do petróleo levava a uma cadeia de eventos que podia produzir uma recessão mundial. Uma crise imobiliária e de crédito nos Estados Unidos era disparo de uma crise generalizada.

E agora? Idéias novas circulam pelo mundo. Primeiro, a de que houve uma separação entre as economias emergentes e as avançadas, o que pode fazer com que os emergentes não apenas se segurem, como também possam mudar de papel. Em vez de resgatados de suas crises por empréstimos dos grandes países, podem passar a fazer parte da equipe de resgate. Talvez parte desse socorro venha em forma dos assustadores, pouco conhecidos e endinheirados Fundos Soberanos. Esses fundos são criados pelas reservas e riqueza nas mãos dos governos dos países emergentes. Por um lado, provocam temores. Por outro lado, podem injetar ânimo na economia americana.

Qualquer um desses três choques é capaz de derrubar a economia dos Estados Unidos: uma disparada dos preços do petróleo, uma crise imobiliária que reduza o consumo e uma forte depreciação do dólar que encareça produtos importados. Aconteceram os três ao mesmo tempo. E a economia americana desacelera, mas pode escapar da recessão, segundo algumas análises, como a do FMI.

Um dos motivos é que a desvalorização é tão forte que pode acabar catapultando as exportações e, com isso, aumentar o ritmo de atividade da economia americana. Outro é a atuação dos fundos soberanos. Terceiro, os países emergentes respondem por parcelas cada vez maiores do PIB mundial. Este ano, China e Índia agregaram mais ao PIB mundial que os Estados Unidos. Os BRICs explicam metade do crescimento do planeta. Já os Estados Unidos, que há cinco anos absorviam 19% das importações internacionais, hoje compram 14%. Todos esses sinais de mudança indicam que velhas equações precisam ser revistas.

Não está certo ainda que o mundo possa passar por tantos choques sem sofrer forte reversão em seu crescimento. Há sinais de redução do ritmo do mercado americano, mas a maior aposta ainda é que o país não vai ter recessão.

Os fundos compostos pelas enormes reservas de vários países têm muito dinheiro disponível para investir, e são eles este ator novo no mercado. No Brasil, discute-se como fazer um fundo soberano; e isso já está criando polêmica.

O ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central já disseram que o país vai constituir o fundo, mas garante-se, no governo, que não será com as reservas cambiais e que não se sabe se os dólares serão comprados no mercado pelo próprio BC ou pelo Tesouro.

O cálculo que se faz hoje é que os fundos soberanos têm pouco menos de US$3 trilhões em ativos. Antes, eles investiam basicamente em títulos do tesouro americano, mas agora buscam retornos maiores. Há quem aposte que esses fundos vão financiar eventuais problemas que a economia americana possa enfrentar.

- Esses fundos são tão grandes que hoje não estão mais só em renda fixa; já podem ir buscar investimentos mais arriscados. Países produtores de petróleo já atuam nessa área há um bom tempo. Mas há muitos outros; o próprio Chile tem um fundo por causa do cobre. No caso do Brasil, agora é que estamos com muitas reservas, então ainda é novidade - diz Ricardo Amorim, do WestLB.

Uma reportagem recente da "Business Week" conta que, quando o Barclays pensava em comprar o ABN Amro, o presidente do Barclays, Bob Diamond, foi até Cingapura e conseguiu, em um dia, US$5 bilhões do fundo Temasek. Esse fundo soberano de Cingapura tem um retorno anual de 18% e investe em negócios tão diversos como mídia indiana, indústria de vacinas na Áustria ou bancos asiáticos.

Uma das visões que se têm é que esses fundos podem ajudar a manter o equilíbrio dos mercados mundiais, pois são investidores de longo prazo, mas até onde eles podem ir? Como será a reação se um fundo da China ou do Oriente Médio comprar um grande banco americano? Esta semana, o fundo de reservas de Abu Dhabi injetou US$7,5 bi no Citibank. Mas eles são ainda muito pouco transparentes. A reportagem da "Business Week" dá como exemplo exatamente o fundo de Abu Dhabi, que deve ter algo como US$875 bilhões, mas nada informa sobre suas operações.

Todas essas novidades tornam a economia cada vez mais imprevisível.

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