Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 24, 2007

Nos EUA, quem bebe e dirige é punido

Eles não são piores

Apenas mais policiados. Famosos americanos
mostram o que acontece quando a sociedade
não acha aceitável beber e dirigir


Suzana Villaverde

Jeff Topping/Reuters
Mike Tyson
1 dia de prisão, 360 horas de serviço comunitário e 3 anos de liberdade assistida


A cena é inesquecível. Com os músculos estourando os modestos limites do macacão listado, algemas cor-de-rosa combinando com as meias (equipamento-padrão da prisão pouco ortodoxa no Arizona para a qual foi despachado), o ex-campeão de boxe e habitual freqüentador de delegacias Mike Tyson cumpriu na semana passada 24 horas de recolhimento por dirigir bêbado e drogado. A pena foi curta, mas serviu para lembrar o que Tyson tem em comum com celebridades encrencadas. Mel Gibson, Lindsay Lohan, Kiefer Sutherland, Paris Hilton, Nicole Richie, Mickey Rourke, Nick Nolte... a lista de famosos parados, multados, fichados e, eventualmente, presos nos Estados Unidos por dirigir embriagados é uma obra em aberto, com novos personagens a cada semana. Tanto boletim de ocorrência pelo mesmo motivo indica que muitas celebridades acham que podem tudo e abusam? Sem dúvida. Mas também que nos Estados Unidos pegar na direção depois de beber em excesso é ofensa séria, pela qual famosos e não famosos são punidos: em 2005, 1,4 milhão de americanos foram autuados sob a notória sigla DUI – Driving Under the Influence, dirigir sob influência de bebida ou droga.

Mesmo quando a pena é simbólica (fora o vexame de aparecer no BO com uma cara estranha, como se vê nas fotos abaixo, exceto no caso da imutável Paris Hilton), vale pelo exemplo. Ressalve-se que nenhum dos famosos aqui mencionados provocou acidentes, muito menos fez vítimas, crimes que no Brasil costumam cair no esquecimento. Até nos casos que seguem todas as instâncias judiciais, a tendência é a punição branda, com multas em cestas básicas, seguindo a lógica da comparação e da benevolência: há crimes mais pavorosos e as penitenciárias estão cheias (nos Estados Unidos também; por isso, Mike Tyson passou seu dia de castigo num acampamento-prisão improvisado para contornar a superlotação). Um levantamento feito pela Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo em 2004, com base em dados do Instituto Médico-Legal, mostrou que 42,7% dos acidentes ocorridos no segundo semestre daquele ano tiveram relação com o consumo de álcool. De modo mais metódico e abrangente, pesquisadores da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acompanhados de policiais, passaram fins de semana do ano passado abordando e testando o nível alcoólico de 1.372 motoristas na cidade de São Paulo; constataram que 20% estavam acima do limite permitido de 0,6 grama de álcool por litro de sangue. Para comparar: a média mundial de excesso de álcool ao volante é de 2%. "Foi uma pesquisa absolutamente banal, que, no entanto, nunca tinha sido feita no Brasil. Aqui, não existem dados nem fiscalização sobre beber e dirigir", diz Ronaldo Laranjeira, psiquiatra da Uniad.

O sistema de crime e castigo vigente nos Estados Unidos é produto da decisão da sociedade, em geral surgida localmente, como é próprio da democracia de base. A Califórnia, com a maior concentração de carros (e de famosos), foi pioneira. Em 1980, depois que um motorista bêbado atropelou e matou uma garota de 13 anos, foi criado o Mothers Against Drunk Driving (MADD), movimento que fez campanha por leis mais rígidas contra a venda e o consumo de bebidas e por maior fiscalização. A mudança de mentalidade se difundiu e, embora o consumo de álcool não seja nada inibido, o número de mortes causadas por motoristas bêbados caiu 44% no país. "Aqui, a polícia, o serviço social, as organizações comunitárias, o serviço de saúde, o governo, o Judiciário e muitos outros órgãos e entidades tratam do problema. Tentamos atacá-lo de todos os lados", disse a VEJA Chris Cochran, porta-voz do Office of Traffic Safety da Califórnia. Em Los Angeles, o limite permitido de álcool no sangue é 0,8 g/litro, o equivalente a quatro copos de cerveja para um homem de 75 quilos. A pena, se não houver vítimas, é multa e liberdade condicional na primeira vez e cadeia na segunda – pouco mais de vinte dias, dos quais a maioria cumpre no máximo metade. Donos de bares e casas noturnas podem até ser processados se não aconselharem clientes que beberam demais a tomar um táxi – ou chamar a polícia quando a pessoa se recusa. A cidade de 3,9 milhões de habitantes tem 9.517 policiais encarregados de identificar infratores, através de patrulhas, vigilância eletrônica e denúncias de comportamento irregular. No ano passado, 5.435 pessoas foram autuadas por dirigir bêbadas, entre elas o bando de famosos que teima em não contratar motorista (compreensível – dá para imaginar os livros que iriam escrever e as entrevistas que iriam vender). "Eles acham que estão acima de tudo e de todos", diz o fotógrafo argentino Pablo Grosby, que mora em Los Angeles há vinte anos e já correu atrás de muita celebridade embriagada. "E, na verdade, a maioria não tem condição de dirigir nem em estado normal", brinca.

Fotos AP, Reuters e Getty Images

Mel Gibson
3 anos de liberdade assistida,
90 dias de reeducação, 1 ano de tratamento

Lindsay Lohan
10 dias de serviço comunitário,
3 anos de liberdade assistida

Mickey Rourke
Preso, solto sob fiança,
aguarda julgamento
Nicole Richie
82 minutos de prisão,
18 meses de reeducação,
3 anos de liberdade assistida
Nick Nolte
3 anos de liberdade assistida,
3 meses de tratamento
Paris Hilton
23 dias de prisão,
multa de 1 500 dólares

Arquivo do blog